quarta-feira, 18 de dezembro de 2013

5 Perguntas Sobre o Sedevacantismo e o Tradicionalismo


Recentemente, fui convidado por um amigo para participar de uma comunidade tradicionalista em uma rede social presente na Internet, com a finalidade de responder a seis questões sobre o Sedevacantismo. Depois de algum tempo, coloco-as à disposição, dado que a sua notícia foi considerada escandalosa demais para ser publicada (pois parecia ser "apologética" com relação ao Sedevacantismo), terminando por ser censurada.

Reproduzo aqui as principais perguntas e omito a última, por considerá-la desnecessariamente belicosa. Às questões!

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1ª Pergunta: O QUE É SEDEVACANTISMO?


2ª Pergunta: SEDEVACANTISTAS DISCORDAM DE ALGUM PONTO DA DOUTRINA CATÓLICA ANTES DO CONCÍLIO VATICANO II SOBRE MORAL E FÉ?


3ª Pergunta: SEDEVACANTISTAS PODEM SER CONSIDERADOS DE FATO COMO HEREGES? POR QUE?

4ª Pergunta: EXISTEM PADRES E BISPOS SEDEVACANTISTAS? QUAL A POSIÇÃO DO ATUAL VATICANO SOBRE ELES?

5ª Pergunta: TRADICIONALISTAS PODEM SER CONSIDERADOS SEDEVACANTISTAS? PORQUE? QUAIS AS DIFERENÇAS ENTRE UM RAD-TRAD E UM SEDEVACANTISTA?

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Resposta à Primeira Pergunta:

1) Primeiramente, gostaria de agradecer a possibilidade de falar sobre esse tema. Realmente fico feliz com o fato de vocês procurarem se informar melhor sobre esse assunto, mesmo que seja com uma inspiração negativa (para diferenciarem-se dos sedevacantistas com mais eficiência/eficácia). Pois bem. 

O Sedevacantismo, diferentemente do dito "Tradicionalismo", não é uma posição doutrinal (embora possa supôr uma determinada doutrina, ocasionalmente). Não possui práticas próprias que lhe identificam diretamente, nem tem como tê-las. Igualmente, também não é um "movimento", nem mesmo uma sociedade com valores universalmente identificáveis. O sedevacantismo está muito aquém dessas coisas; quem cunhou esse termo não foram os indivíduos que receberam tal alcunha, mas quem percebia existir um número de pessoas que eram ligados por uma percepção comum: a Sé Apostólica de São Pedro está vacante.

Podem existir CATÓLICOS sedevacantistas, assim como há MODERNISTAS sedevacantistas e mesmo PROTESTANTES sedevacantistas, ou mesmo ATEUS sedevacantistas. Porém, todos esses gêneros de sedevacantistas são muito restritos e não representam a grande maioria dos indivíduos que costumeiramente são chamados "sedevacantistas" - os CATÓLICOS APOSTÓLICOS ROMANOS que entendem estar a Sé de Pedro vacante.

Por isso, chamar alguém de "sedevacantista", por si só, é uma ação inadequada, dado que os tipos possíveis de grupos a serem inseridos dentro desse conceito são tão contraditórios e divergentes quanto outros termos de rotulagem (como FASCISTA e NEOLIBERAL, na boca dos esquerdistas dos três últimos quartéis do século XX). É arriscado e injusto, inclusive, fazê-lo sem o devido critério, por correr grande chance de incluir nesse meio pessoas doidas que se intitulam sedevacantistas (como é o caso de Richard Joseph Michael Ibranyi, que nega o pontificado até de Leão XIII, sendo um herege completo).

Seria útil, penso eu, estabelecer uma distinção dentre os sedevacantistas que REALMENTE importam, ou seja, os sedevacantistas CATÓLICOS. Para fins didáticos (e para todos os fins realmente úteis), dividiremos os sedevacantistas católicos em TRÊS grupos:

1.1 - Sedevacantistas Belarmininanos
1.2 - Sedevacantistas Guerardianos (Sedeprivacionistas)
1.3 - Sedevacantistas Absolutos

O grupo 1.1 entende que a Sé de Pedro está com CERTEZA vacante desde Paulo VI e está sob o governo de um anti-papa. Considera os outros tradicionalistas não-sedevacantistas (especialmente a FSSPX) como ignorantes, inocentes ou errantes - mas não hereges. Se o usurpador se converter, ele NÃO se torna papa imediatamente, diretamente (talvez aceitariam que ele continuasse no cargo por aclamação universal, mas não há muita discussão sobre isso);

O grupo 1.2 entende que a Sé de Pedro está com CERTEZA formalmente vacante, mas está igualmente com CERTEZA materialmente ocupada por um usurpador desde Paulo VI. Se esse usurpador se converter, ele se tornaria Papa imediatamente. Essa tese desfrutou de seu nascimento dentro da FSSPX com Mons. Guérard des Lauriers, eminente teólogo que era considerado referência por Mons. De Castro Mayer (foi ele, aliás, quem convenceu Mons. De Castro Mayer a aceitar as ordenações episcopais sem mandato pontifício que a FSSPX fez). No geral, enxergam os tradicionalistas não-sedeplenistas do mesmo modo que o grupo 1.1;

Já o grupo 1.3 entende que apenas os sedevacantistas permanecem católicos. Todos os outros grupos cometem erros que desembocam em cisma e heresia - logo, não pertencem mais ao corpo da Igreja Católica. Dentro desse grupo, a maior parte afirma a vacância da Sé Romana desde João XXIII (os outros dois grupos anteriores entendem João XXIII como um pontífice duvidoso ou como um mau papa). Dentre eles, brotam os grupos mais radicais - os home-aloners como Hutton Gibson e Mel Gibson, os fiéis ligados à FSSPV, os atualmente ligados ao Dr. Homero Johas, etc. São menos abundantes do que os outros dois primeiros grupos e são mais sectários. Desse grupo nascem TODOS os que se tornaram conclavistas - que não são sedevacantistas, mas já outra coisa.

Enfim, enunciando rapidamente, os Católicos Sedevacantistas entendem que a Sé de Pedro está vacante por diversos motivos, que são normalmente defendidos por duas vias - A VIA DA PERDA DO PONTIFICADO (PAPA HEREGE) e A VIA DA INDEFECTIBILIDADE DA IGREJA (INFALIBILIDADE). A tese que defende a Vacância da Sé Romana com base na infalibilidade das leis eclesiásticas e na indefectibilidade da Igreja Católica é a segunda via - a mais simples e direta; já a tese que acusa as figuras atuais de usurparem a Sé de São Pedro (por estas ditas autoridades serem heréticas) pertence à primeira via - a mais controversa, circunstanciada e complexa.


Resposta à Segunda Pergunta:

2) A pergunta é meio truncada. Você está se referindo a divergência interna dentre os católicos sedevacantistas? Se for isso, a resposta é SIM, porque alguns entendem não existir a validade do batismo de sangue/desejo, por exemplo (embora isso também exista dentre os neo-conservadores, diga-se de passagem). Os sedevacantistas dos dois primeiros grupos (Belarminianos e Guerárdianos) são unânimes ao afirmar que tais tipos cometem grave erro teológico, quando não são diretamente hereges mesmo.

Se a pergunta se refere a uma divergência externa dos sedevacantistas com relação às doutrinas de fé e moral, distingamos: dentre os sedevacantistas católicos, não. Dentre os sedevacantistas acatólicos, sim (afinal, o fator que os torna a-católicos é exatamente não terem a fé católica, nem o desejo de tê-la).

Agora se você se refere exclusivamente a pontos não definidos de doutrina, há várias tendências diferentes, mesmo entre os sedevacantistas católicos.



Resposta à Terceira Pergunta:

3) Dado que o sedevacantismo é apenas o reconhecimento de um fato não apenas POSSÍVEL mas CRONOLOGICAMENTE CONSTANTE na História da Igreja, chamar o sedevacantismo (= reconhecer a sé de Pedro vacante) de essncialmente herético não é apenas temerário, como prova clara de burrice. Afinal, todos os católicos se tornam sedevacantistas quando um papa morre. Se o sedevacantismo é 'per se' herético, LOGO toda a Igreja teria incorrido em heresia imediatamente depois da morte do primeiro papa (o que é impossível, pois é contrário à lógica da infalibilidade e da indefectibilidade da Igreja, é contrário às promessas de Cristo, contrário à ordem da sucessão hierárquica apostólica, etc).

Agora, se alguém afirma que o sedevacantismo acaba sendo acidentalmente herético, duas coisas pode-se considerar: primeiro - se é acidentalmente herético, não é por causa do sedevacantismo que a pessoa se torna herética (logo, irrelevante); segundo, isso ainda fica por provar - afinal, deve-se demonstrar qual verdade de fé divina e católica, ou verdade de fé eclesiástica definida, estamos nós (os católicos sedevacantistas) negando de modo pertinaz. Ficaí o desafio para quem aceitar.

Já quem quer nos acusar de cismáticos, bem, isso é impossível, dado que para sermos considerados cismáticos, precisaríamos negar comunhão um VERDADEIRO papa - e não com um ANTI-Papa. E - supondo por absurdo - MESMO QUE OS CATÓLICOS SEDEVACANTISTAS ESTIVEREM ERRADOS na consideração acerca dessas pseudo-autoridades atuais, eles ainda sim não poderiam ser considerados cismáticos, pois assim ensina a sã teologia católica:

3.1. “Não podem, afinal, ser contados entre os cismáticos aqueles que recusam obedecer ao Romano Pontífice por considerarem a pessoa dele digna de suspeita ou duvidosamente eleita…” (Wernz-Vidal, Ius Canonicum, vol. vii, n. 398).

3.2. “Não há cisma se … se recusa a obediência na medida em que … se suspeita da pessoa do Papa ou da validade de sua eleição…” (Pe. Ignatius Szal, Communication of Catholics with Schismatics, Catholic University of America, 1948, p. 2).

3.3. “…não é cismático quem recusa submissão ao Pontífice por ter dúvidas prováveis concernentes à legitimidade da eleição dele ou do poder dele…” (De Lugo, Disp., De Virt. Fid. Div., disp xxv, sect iii, nn. 35-8).

Donde, nem heréticos nem cismáticos. Os sedevacantistas católicos apenas enxergam determinados fatos concernentes à crise da Igreja de maneira diferente.


Resposta à Quarta Pergunta:

4) Sim. Há centenas (milhares??) de padres e bispos sedevacantistas no mundo inteiro. No site de notícias norte-americano "Traditio", vocês podem encontrar um anuário contendo os principais endereços dos principais centros de católicos tradicionalistas - sedevacantistas ou não - pelo mundo todo. Todos os anos, o referido anuário é atualizado. Lá vc poderá conferir a listagem mais completa que há - com ênfase nos EUA, lógico. No mundo, ainda muitos grupos vão se agregando e surgindo, dando-se a conhecer - mas esse é um processo árduo e nem sempre fiel à virtude da paciência... rs!

O hodierno Vaticano vê com preocupação o número ascendente de tradicionalistas, sejam eles sede-ocupantistas ou sedevacantistas. Acredita-se que o número deles chega a fatiar, nos EUA, mais de 60% dos católicos que imigram legal (e ilegalmente) para o Sul dos Estados Unidos (Flórida, Texas, etc). O número de bispos também é crescente - e a organização deles têm impressionado em alguns lugares - nos EUA especialmente os grupos sedevacantistas são, em números absolutos, muito semelhantes à quantidade dos tradicionalistas ligados à FSSPX (VI.C.§4). Recentemente, Mons. Mark Pivarunas recebeu convites por parte da Nova Igreja para "retornar à plena comunhão"(sic); e não apenas negou-se terminantemente a fazer isso, como deu um sermão histórico no secretário norte-americano (neo-conservador) para a unidade dos cristãos... enfim.

De modo geral, os sacramentos são tidos como inválidos pela nova igreja, por falta de jurisdição ordinária, tanto quanto os sacramentos da FSSPX. Em regime sacramental, é a exata mesma proporção de tolerância dada à FSSPX que é dada aos padres e bispos sedevacantistas.


Resposta à Quinta Pergunta:

5) Depende. 

Em um certo sentido sim, em outro não. Sim, porque sedevacantista é quem reconhece que a Sé de Pedro está vacante e age em conformidade com essa compreensão. Ora, boa parte dos tradicionalistas não presta o mais mínimo assentimento ao que ensinam os papas atuais, prega a desobediência habitual, relativiza todos os ensinamentos das autoridades que reconhece legítimas, ignorando porém completamente tudo o que provém desse magistério. Isso é agir como se o papa fosse apenas uma casca oca - trocando em miúdos, seria agir como um sedevacantista, embora pense como um sede-ocupantista/sedeplenista. 

Em outro sentido, não, pois mesmo quem rejeita quase sempre a submissão pode perfeitamente submeter-se a um decreto doutrinal que obriga a todos os católicos, como é o caso, por exemplo, da declaração contrária ao sacerdócio feminino. Se reconhecem essa autoridade quando ela obra bem mas não quando ela obra mau, estão - pois - ligados a ela ainda de uma maneira real, embora de modo bastante vago.

A diferença entre um rad-trad e um católico sedevacantista é simples - o primeiro acredita que as autoridades que estão à frente da revolução anti-católica comandada por Satanás, através da nova igreja, são católicas ainda (embora errantes, perniciosas, modernistas, hereges materiais, inimputáveis moralmente, etc, etc...). O segundo, porém, entende que as autoridades que estão à frente da revolução anti-católica, através da nova igreja, não são e nem podem ser autoridades católicas realmente, dado que (1)fazem o que é impossível a Igreja fazer graças à indefectibilidade e/ou (2)tais pessoas investidas do cargo papal são na verdade hereges usurpadores.

Resumindo, a posição dos rad-trads poderiam se resumir no seguinte axioma (aliás, é o resumo que a própria SSPX faz de si mesma, na nota 18 de seu opúsculo "Sedevacantism: a False Solution to a Real Problem"): "O papa é papa se ele ensina aquilo que é ortodoxo, e não o é quando ensina heresia" - no sentido que mesmo ensinando heresias, ele continua católico. Já a posição dos sedevacantistas não pode-se resumir nessa frase, porque eles consideram que a regra viva da fé é o papa, e não se pode contrapôr "o que é ortodoxo" àquilo que o papa ensina (magistério) sem com isso colocar em questão o próprio papado.