sábado, 16 de agosto de 2008

Furacões na Cidade... de Deus - parte I

Esse texto magnífico do padre(*) exorcista Malachi Martin traz uma espantosa imagem analógica, referente aos efeitos imediatos do conhecido evento paradigmático da catolicidade no século XX: O Concílio Vaticano II.

Eis o capítulo 11 do livro "Os Jesuítas":

"Coloque-se na posição de um morador de uma cidade que nasceu e cresceu nela, e segue para o trabalho pelo caminho que você tem usado todas as manhãs nos últimos vinte ou trinta anos. Segue por uma longa avenida, depois dobra uma certa esquina e segue por outra avenida que parece que nunca mudou. É isso. Você tem feito isso cinco vezes por semana, quem sabe por quantas semanas, ano após ano. A manhã é como todas as outras manhãs, numa cidade que é exatamente como sempre foi para você ontem, no mês passado, e lá até onde você pode se lembrar.

Por isso, você anda sem praticamente perceber os pontos característicos e todas as coisas que você conhece tão bem e que lhe dizem que você está ali em casa - as calçadas, os cruzamentos de ruas transversais, os sinais de tráfego, árvores, postes, lojas, prédios; o ritmo crescente e decrescente dos carros, ônibus, caminhões; as bancas de jornais, o homem de sempre mendigando em seu posto permanente, a mistura de sons de vozes e de máquinas, os cheiros no ar, até mesmo as usuais variações de tempo; as multidões de homens de negócios, funcionários de escritórios, operários de construções, donas de casa passeando com seus cachorros, mensageiros, turistas, gente fazendo compras, ociosos, vadios.

Tudo é tão esperado, tão previsível, tão tranqüilizador, que não importa o nível do barulho ou movimento irregular das coisas na rua, num certo sentido tudo aquilo garante a sua paz de espírito. Dobrando aquela conhecida esquina, tudo será como sempre foi. É isso que você presume inconscientemente. E com razão, porque certas coisas não mudam. A vida é baseada nessa premissa, em especial os atos insignificantes da vida - como ir a pé para o trabalho.

Mas imagine-se dobrando aquela esquina e sendo subitamente apanhado por trás por uma rajada de vento forte, que parece ter surgido do nada e em sua passagem furiosa despedaça prédios, derrubando alguns deles, atirando pessoas para todo lado, enchendo as calçadas de destroços, arrancando árvores e sinais de trânsito, transformando o céu sobre a sua cabeça com uma cor de crepúsculo, e torcendo a retidão da avenida que permitia uma visão clara, deixando-a parecida com um saca-rolhas, enquanto leva, a contragosto, você e todos e tudo mais em direções estonteantes. É uma mudança tão total, tão abrupta, tão irresistível mesmo, que você já não sabe onde está, para onde está indo ou o que está acontecendo.

Antes que você tenha tempo de perceber não consegue se orientar, outra rajada forte de vento misturando-se à primeira vem gritando de forma incoerente nos seus ouvidos e, para deixá-lo ainda mais em pânico, parece afetar a maioria das pessoas que o cercam com uma espécie de prazer estático, de modo que elas se atiram sem resistir nas violentas lufadas daqueles dois ventos que agora levam todo mundo, inclusive você, para um lugar de onde você não avista nenhum dos seus velhos pontos de referência conhecidos. É tão estranho o efeito da segunda lufada, que mesmo com toda a sua violência e confusão, a coisa mais desorientadora, para você, é a estranha euforia de expectativa e de prazerosa confiança que parece tomar conta da maioria das pessoas que estão sendo atiradas de um lado para o outro enquanto você e elas são empurradas numa viagem desconhecida e não registrada nos mapas.

Um elemento bizarro dessa euforia perturbadora é a maneira pela qual as pessoas começam a conversar, quer entre si, quer com Deus. Parece que, num instante, eles aprenderam uma nova linguagem, estão pensando tudo com conceitos disseminados em massa e pré-fabricados: "Não adore a vertical! Adore na horizontal!" "Tudo o que ajudar o crescimento criador para a integração" "Precisa-se de facilitadores!" "Como está o seu desempenho interpessoal?"

E, como se isso já não desorientasse o bastante, um tom quase maníaco, num volume que quase chega à histeria, penetra de vez em quando na vasta confusão, quando homens e mulheres, alegando o dom de línguas do Espírito Santo, começam a emitir sons sem sentido com rapidez. "Ik bedam dam bula" (Ou a versão brasileira: "Shandalay baricandara Surianda Mare balashuria" - nota nossa) - ou coisa parecida, ouve-se um cardeal católico romano dizer extasiado, garantindo a confusão no mais alto posto. Gloriosa confusão. Eufórica confusão.

Por um instante, você fica tentado a juntar-se a todos e entrar num mundo mágico, fictício. Mas dúvidas absurdas o assaltam, sem que haja respostas consoladoras. Por que não houve aviso? Onde estavam aqueles ventos a momentos antes de atacarem? Estariam escondidos o tempo todo? Lá acima das nuvens, talvez, ou pairando em algum ponto longe das ruas e dos prédios? Ou será que vieram de regiões estranhíssimas e distantes? Por que estão todos tão euforicamente confiantes no futuro, mesmo enquanto estão sendo arrastados nas costas desses ventos? Será que o seu alegre salto à frente para a escuridão está iluminado por anseios e informado pelo seu instinto do divino? De onde vieram seus novos conceitos? E a sua nova língua?

Quaisquer que sejam as respostas, você sabe que não pode voltar atrás para o que era antes. Ninguém terá condições de voltar outra vez para os velhos locais conhecidos. As coisas nunca serão as mesmas em sua cidade natal.

Talvez seja aquela perfeita percepção que subitamente faz com que uma coisa pareça certa e clara em sua mente: de onde quer que tenham vindo, aqueles dois violentos furacões - o que derrubou tudo o que era conhecido, e o outro que meteu aquela estranha euforia na cabeça das pessoas - não eram tempestades normais.

Esse cenário, por fantástico e surrealista que seja, mal é suficiente para dar a idéia da totalidade e da rapidez da mudança e da estranha euforia que arrebatou os católicos romanos - e, surpreendentemente, também os jesuítas - na década de 1960. Porque todo um sistema tradicional de vida e prática religiosa foi aparentemente eliminado com aquela rapidez, sem aviso. Uma mentalidade de séculos foi levada na enxurrada de um furacão de mudança. Em certo sentido, um determinado mundo de pensamento, sentimento e atitude deixou de existir - o antigo mundo católico centrado na autoridade de um pontífice romano; a rígida alternativa entre apenas duas opções do dogma e da moralidade católica; o comparecimento à Missa, a freqüência à confissão e da santa comunhão; o Rosário e os vários atos piedosos e devoções da vida paroquial; a militância dos leigos católicos romanos em defesa dos valores católicos tradicionais. Todo esse mundo foi aniquilado, por assim dizer, da noite para o dia."
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(*) Há informações divergentes quanto ao verdadeiro grau de sacerdócio do referido Malachi Martin. Embora publicamente fosse considerado apenas como um padre, pessoas próximas do exorcista (é o que dizem Fr. Paul Trinchard e Pe. Rama Coomaraswamy) afirmaram que ele havia sido sagrado epíscopo, isto é, bispo. Restam algumas probabilidades: Teria sido sagrado "in pectore" por Pio XII ou algum outro bispo? Teria sido sagrado por algum bispo da linhagem "Thuc" - haja visto que colaborou ativamente com López-Gastón na sagração de Rama Coomaraswamy, como demonstram as fotos presentes neste link (http://www.the-pope.com/validity.html)? Outro boato seria que Malachi teria sido um cardeal antes da morte, mas não há dados, fotos ou documentos que confirmem essa teoria. Não sabemos perfeitamente, mas há fortes indícios de que pelo menos uma coisa seja procedente: Malachi Martin teria sido bispo no final da vida.

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