Muitos
católicos atualmente expressam preocupações acerca da possibilidade de terem de
escolher por uma posição a eles tida como "tenebrosa", "imprudente" ou "desesperadora": o sedevacantismo.
Em razão disso, uma série de argumentos foram sendo elaborados com
o tempo para desmerecer, refutar ou mesmo desmentir a análise que autores
católicos adeptos do sedevacantismo faziam da realidade eclesial. Muitos já
conhecem os contra-argumentos que refutam suficientemente tais objeções
(especial menção aos do Pe. Anthony Cekada, sacerdote católico sedevacantista e
norte-americano), mas a maioria desse material está presente em outras línguas,
ou é de linguagem acadêmica, mais erudita, obscura à maioria das pessoas
comuns.
Neste
primeiro texto da série, vamos procurar trazer aos nossos leitores argumentos
claros, simples e despretensiosos sobre o tema em tela; no entanto, isso não
implicará em dizer que estamos despreocupados com a verdade - apenas que vamos
tentar tratar do tema de modo mais acessível a todos os interessados. Boa
leitura.
- - -
ARGUMENTO
DO PAPA MAU
Premissa 1:
Se um pai
age de maneira egoísta, inconseqüente, desonesta, maliciosa, prejudicial ou
danosa à esposa e aos filhos, ele é um mau pai;
Premissa 2:
Um mau pai,
embora não honre sua paternidade, nem por isso deixa de ser pai;
Premissa
3:
Ora, de modo análogo ao que tratamos um pai tratamos o papa, seja
ele bom ou mau;
Portanto,
do mesmo modo que tratamos o pai mau, tratamos o papa mau: ele não deixa de ser
papa, assim como o pai mau não deixa de ser pai.
Sendo assim, do mesmo modo que se resiste ao pai mau, assim também
deve-se resistir ao papa mau - sem que isso lhe retire o pontificado, do mesmo
modo que a resistência ao mau pai não o livra da paternidade. Logo, a
posição sedevacantista seria exagerada, imprudente e irracional, porque escolheria uma
falsa resposta para a resolução da crise na Igreja.
- - -
Neste
arrazoado acima descrito, as premissas 1 e 2 estão corretas, mas a premissa 3
exige distinções e modulações para ser verdadeira. Como a analogia é feita de
maneira irrestrita e sem as devidas distinções, a conclusão que se seguiu acima
é falsa.
Portanto,
analisemos a premissa 3.
Nesta
premissa, defende-se que devemos fazer uma analogia
entre a figura do PAI e do PAPA. Mas essa analogia tem limites, não é
integral, completa (até porque, se fosse integral e completa já não seria analogia, mas identidade). Explico:
Primeiro, a
paternidade é um atributo sócio-biológico, decorrente da própria natureza humana. O papado
não: o papado é um cargo dentro da estrutura hierárquica da
Igreja Católica, não é
decorrente da natureza humana.
Segundo, a paternidade não pode ser
renunciada nem perdida de modo algum: uma vez pai para sempre pai, vivo ou
morto. Já o papado não, o
papado pode ser renunciado ou perdido: uma vez papa, pode deixar-se de ser
papa.
Terceiro, o
poder do pai na família é um poder
dominativo, de caráter privado.
E o papado? O papado não é um poder de caráter privado, mas sim de caráter público - é um poder jurisdicional.
Quarto:
enquanto o pai realiza sua função principalmente mediante ordens particulares (que não
desfrutam de qualquer grau de proteção divina especial), o papa realiza sua
função principalmente através da promulgação de leis
universais (que desfrutam de um grau especial de proteção divina especial, a
saber, a indefectibilidade proveniente dos objetos secundários da
infalibilidade da Igreja).
Em quinto
lugar, as principais ações do pai são pontuais,
voltadas para alguns poucos súditos - mas as principais ações do
papa são gerais, voltadas para
todos os católicos do mundo.
Se bem analisadas essas cinco diferenças, nós veremos que é totalmente
inapropriada a conclusão dos que pretendem refutar o sedevacantismo afirmando isso, posto que
ao promoverem a analogia entre um papa mau com um pai mau, fazem isso como
desculpa para rejeitarem os ENSINAMENTOS MAGISTERIAIS desses papas conciliares, as suas
CANONIZAÇÕES, as LEIS UNIVERSAIS e RITOS LITÚRGICOS que por eles foram
aprovados.
Ademais, todos os grandes manuais de teologia dogmática
confirmam que o objeto secundário da infalibilidade também desfruta de garantia
do Espírito Santo de não oferecer aos fiéis algo prejudicial à fé ou moral
católicas, embora não do mesmo modo que uma declaração ex-cathedra (coisa que trataremos no futuro). Vide, por exemplo, o que escreve o
teólogo Michael Schmaus, ao descrever o
alcance da infalibilidade papal (§177, 2, b), ou ainda o
teólogo Ludwig Ott, debatendo sobre a infalibilidade
da Igreja no seu objeto secundário (2ª parte, c.4, §13, 2, b).
Portanto, como o
alcance da analogia da premissa 3 é extrapolado pela conclusão, segue-se
claramente que ela não pode ser verdadeira - donde, não pode ser aceita como
argumento verdadeiro, nem objeção válida ao sedevacantismo católico.
Isso,
obviamente, não significa que a analogia do papa como pai mau seja sempre ilegítima. Quando um verdadeiro
papa dá aos fiéis uma ordem má, ele pode ser resistido - e nisso há forte
testemunho da história e do ensinamento católico, seja do Magistério Eclesiástico,
seja dos escritos dos Santos, seja do consenso moralmente unânime dos teólogos
católicos aprovados pela Igreja.
Mas, como essa
analogia não é válida quando
se usa dela para rejeitar ou resistir, por exemplo, a um rito litúrgico (a missa nova de Paulo VI), a uma
canonização ou uma lei universal (o
Código de Direito Canônico), esse
silogismo anti-sedevacantista é falso, pois como um verdadeiro papa não pode fazer essas coisas (e no entanto elas de fato foram realmente feitas), o sedevacantismo permanece sendo uma explicação viável para a crise da Igreja.