Introdução
Primeiramente, gostaria de relembrar a tese central de nosso autor analisado (me refiro ao Padre (?) Paulo Ricardo de Azevedo Júnior), compendiando-a tanto quanto posso numa só frase:
Devemos julgar o Concílio Ecumênico do Vaticano II do mesmo modo que (de acordo com o autor) foi julgado o Concílio Ecumênico de Constantinopla; isto é, conforme a mesma criteriologia. E esta criteriologia resume-se à "interpretação" dos textos promulgados em Assembléia Conciliar, a fim de estes se adequarem à Doutrina Tradicional da Igreja e serem recebidos pela Igreja ("receptio"), por mais que os textos possam apresentar "dificuldades", "fraquezas", "ambiguidades", etc; de modo independente da opinião, moralidade ou credibilidade dos seus redatores conciliares.
Assim resumido, vou criticar aos poucos cada ponto errôneo, procurando mostrar ao mesmo tempo contra qual verdade católica este erro está posicionado.
Que Deus me ajude a não cometer injustiça alguma ao tratar desses temas, mas tão somente ser eco daquilo que a Santa Madre Igreja sempre ensinou.
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Erro nº1: Um Concílio Ecumênico da Igreja têm valor efetivo a partir da sua receptio; e não da sua aprovação formal por parte da autoridade competente - o Sumo Pontífice.
Ao contrário do que afirma nosso autor na página 18 do seu opúsculo ("
O Concílio Ecumênico, para ser verdadeiro Concílio da Igreja, precisa ser recebido por ela. Existe um tempo para que o documento seja produzido, e um tempo para que a Igreja receba esse documento.") todo e qualquer Concílio Ecumênico tem valor não a partir de uma alegada
"receptio", mas sim da sua aprovação por parte do Sumo Pontífice (vide o documento magisterial
Dictatus Papae, proposição XVI - "Que nenhum sínodo se chame universal se não for por ordem do Papa").
Oras, como católicos, sabemos que para haver a validade efetiva de um Concílio Ecumênico exige-se que o papa tenha participação ou consentimento na
convocação desta reunião, na
direção dessas discussões e por fim na
aprovação /
confirmação dos documentos e decretos. Se não houver a possibilidade de se realizarem todas essas condições, a condição
sine qua non para a aprovação dum Concílio como Ecumênico
é que o papa aprove-o enquanto tal. Isso é aquilo que torna tal magna reunião de bispos um Concílio Ecumênico da Igreja, e não outra coisa. Exemplo disso é o já antes citado Concílio de Constantinopla - que foi feito originalmente para ser um sínodo regional, e não para ser um Concílio Ecumênico; embora tenha este ocorrido no século IV, só foi aceito pela Igreja como Concílio Ecumênico cerca de dois séculos depois; e num primeiro momento apenas alguns dos seus decretos foram aprovados por Roma, outros não o foram senão muito tempo depois (dentre estes, especial menção faço ao
terceiro cânone, referente à primazia de Constantinopla como uma espécie de
"Segunda Santa Sé"). Outro exemplo: a bula de confirmação do Concílio de Trento,
Benedictus Deus (pode ser lida completa, em inglês, no final
desse documento aqui referido); nela, é clara a evidência de que o Concílio possui validade e cogência imediatamente, a partir de sua aprovação papal; não antes ou depois.
Dizer que há um
"tempo" para que um Concílio Ecumênico produza os seus textos e outro para que estes sejam aceites pela Igreja, num sentido sociológico do termo (tal como depreende-se do
erro nº4, apresentado logo mais), é uma perversão daquela submissão que deveria ser imediata e totalmente cogente à consciência de todo católico no momento mesmo da aprovação formal dum Concílio Ecumênico. Pode-se dizer, então, ser este primeiro erro distorcer o verdadeiro significado daquilo que seja o critério real da aceitação de um Concílio Ecumênico em detrimento de um obscuro conceito de
"receptio", que não encontra base no Ensinamento Magisterial precedente, nem na Tradição da Igreja ou nas Sagradas Escrituras.
Portanto, um católico não pode aceitar isso sem incorrer em erro grave contra sua fé.
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Erro nº2: O sentido verdadeiro do texto conciliar não está presente já no ato mesmo da formulação, senão quando é interpretado a posteriori para ter concomitância com a doutrina da Igreja.
Ao contrário do que afirma o nosso autor na página 19 do seu opúsculo ("
Como a Igreja lidou com o Concílio de Constantinopla? Ela analisou o texto fraco, equívoco de Constantinopla e o interpretou de forma forte, inequívoca, católica, ortodoxa; Eis o milagre: a Igreja fiel de Cristo. Um bando de bispos que não valiam o que comiam fizeram um Concílio Ecumênico e a Igreja, fiel a Cristo, recebeu-o na fé ortodoxa e verdadeira. (...) Um texto dúbio foi lido e interpretado na fé e na tradição da Igreja. Esse quadro foi apresentado para mostrar o que é um Concílio Ecumênico.") o verdadeiro e legítimo sentido de um texto não é fruto de uma interpretação
a posteriori feita para ter concordância com as verdades de fé que nos ensina tradicionalmente a Santa Madre Igreja. Pelo contrário: quando um autor qualquer elabora mentalmente um texto, a mensagem e os significados que serão passados necessariamente antecederão a redação desse mesmo texto. Existirão sempre antes de um texto.
Admitindo logicamente que o autor quis significar algo no texto - quis efetivamente passar uma mensagem - é evidente que o melhor modo de se ler o que este autor escreveu é interpretar o texto segundo aquele significado que esse autor tencionava expor. Pressupondo razoável habilidade expressiva do autor, então o texto exprimiria o significado que o mesmo deseja transmitir. Oras, se o verdadeiro significado de uma idéia expressa no texto não está já presente na mente do autor antes da redação desse mesmo texto, então temos uma situação absurda na qual o autor do texto desconhece o significado mesmo do produto de sua elaboração literária. É uma situação tão inusitada como escrever uma carta hoje a alguma pessoa e dizer:
"Ah, o significado dessa carta que acabei de lhe escrever? Não sei. Mas daqui a alguns anos vou submetê-la a uma análise, e dizer qual é o seu verdadeiro significado coerente com a minha pessoa".
Se esta obscuridade de significado é impressionante num exemplo banal desses, que diremos quando tratarmos de um Concílio Ecumênico?
Ora, os textos conciliares são obra de autoria coletiva. Esses inúmeros autores podem ter tido - e de fato tiveram - intenções divergentes. No entanto, tendo a intenção "X" prevalecido sobre a intenção "Y" por meio dos votos sobre a redação do texto, e tendo sido essa votação aprovada, o sentido do texto a ser remetido como
o verdadeiro sentido do texto é o sentido aprovado pelo
"Sensus Patrum", isto é, é o sentido dado ao texto pelos padres conciliares por sua vez aprovado e reiterado pela autoridade competente (no caso, um papa). Quando aprova-se um documento, aprova-se o sentido direto daqueles escritos, com a citada intenção sendo aprovada por meio deste. Se essa intenção for
reinterpretada a posteriori por um outro - distorcendo ou chegando a contraditar o significado originalmente aprovado - então há a falsificação do sentido dado no passado por um outro mais conveniente hoje, no presente.
Dizer que esse ato -
reinterpretar um texto dúbio como se fosse unívoco - é um quadro demonstrativo do que é um Concílio Ecumênico, nos obriga a admitir que os Concílios Ecumênicos naturalmente podem falsificar e efetivamente já teriam falsificado em ocasiões passadas (ou seja, o Concílio Ecumênico de Constantinopla - segundo o exemplo do sr. Azevedo Júnior) o significado objetivo dos textos em favor de outro sentido mais conveniente, canonizando assim uma hermenêutica falsa (farsa interpretativa!) como expositora legítima dos Dogmas de Fé, da Verdade Católica, da Sã Doutrina que nos foi legada.
Falsificar o significado objetivo de um texto para fazê-lo dizer o que queremos não é um milagre; antes, é uma mentira, é um ato incorreto, é uma injustiça. E como não podemos admitir que a Igreja minta, seja incorreta ou injusta em matéria referente à Fé, não podemos sequer supor que este seja um método adequado para verdadeiramente se entender um texto conciliar - ou qualquer texto.
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Erro nº3: O texto do Concílio de Constantinopla é fraco e ambíguo.
Ao contrário do que diz o sr. Azevedo Júnior na página 19 ("
Como a Igreja lidou com o Concílio de Constantinopla? Ela analisou o texto fraco, equívoco de Constantinopla e o interpretou de forma forte, inequívoca, católica, ortodoxa;(...) Um texto dúbio foi lido e interpretado na fé e na tradição da Igreja."), o Concílio de Constantinopla não poderia ser ambíguo, pois os grupos que poderiam beneficiar-se de quaisquer interpretações heterodoxas haviam sido condenados no
cânone nº 1 desse mesmo concílio com anátema! E além disso, o
5º cânone também possui uma profissão de fé da idêntica divindade das Três Pessoas Divinas. Para que vejamos a força dessas verdades que aqui enunciamos, leiamos primeiro o texto do quinto cânone (pela tradução
de Mons.Otto Skrzypczak no livro "Documentos dos Primeiro Oito Concílios Ecumênicos"; Edipucrs; 2ª edição; 2000):
"Quanto aos escritos dos ocidentais: Em Antioquia acolhemos os que professam ser uma só a Divindade do Pai e do Filho e do Espírito Santo"
E agora leiamos o texto do primeiro cânone (tradução minha):
"A fé dos 318 santos padres reunidos em Nicéia da Bitínia não deve ser abrogada, senão fortalecida; se deve anatematizar toda a heresia, especialmente a dos eunomianos ou anomeus, dos arianos ou eudoxianos, dos semi-arianos ou pneumatômacos, dos sabelianos, dos marcelianos, dos fotinianos e dos apolinaristas."
Para quem não sabe, a heresia dos
Pneumatômacos é exatamente aquela heresia (nega a divindade do Espírito Santo) para a qual o sr. Azevedo Júnior advoga a possibilidade de defesa através da ambiguidade da profissão de fé do credo niceno-constantinopolitano. Mas, oras! Como o Concílio abriria precedente para uma interpretação heterodoxa se sabemos que o mesmo condenou explicitamente a heresia dos que negavam a divindade do Espírito Santo? Além disso, Pe.(?) Paulo Ricardo usa uma brecha significativa para defender a sua tese: a existência de várias versões do texto aqui em questão. Mas, havendo mais de uma tradução da frase latina do Credo
"qui cum Patre et Filio simul adoratur et conglorificatur", deve-se pois procurar traduções mais exatas e mais conformes o significado original da expressão. Se algumas traduções abrem precedente para uma possível ambiguidade, não podemos dizer isso de uma das últimas traduções que os próprios neo-conservadores entendem ser das mais exatas. Ela não deixa dúvidas: o Espírito Santo
recebe com o Pai e o Filho uma MESMA adoração e glória (vide página 111 do
"Enchiridion Symbolorum"; Denziger Hünermann; 2006; tradução espanhola das versões grega e latina do Símbolo Niceno-Constantinopolitano; ou vide
nesse link outra autorizada versão espanhola do referido Credo que diz:
"que con el Padre y el Hijo recibe una misma adoración y gloria").
Oras, se o Espírito Santo recebe uma
mesma adoração e glória, ele não pode ser inferior ao Pai ou ao Filho, mas antes deve ser
igual. E se deve ser igual ao Pai em adoração e glória - não inferior nem superior, mas idêntico (sabendo que o Pai é Deus, um ponto pacífico mesmo aos hereges em questão) -, O Espírito Santo necessariamente também deve ser tido como Deus.
Há ainda de se considerar o estudo específico sobre o tema da Profissão de fé na divindade do Espírito Santo escrito pelo Candido Pozo (SJ)
"Las fórmulas del Credo del Concilio I de Constantinopla sobre el Espíritu Santo" - em
"Vivir en el Espíritu"; Madrid; CETE; 1981; p. 287-298 - estudo este citado como fonte do livro de Justo Collantes,
"A Fé Católica: Documentos do Magistério da Igreja" - trad. br. por Paulo Rodrigues, RJ/Anápolis: Lumen Christi/Diocese de Anápolis, 2003, p. 288; com a nota 9 incorporada na citação - que, ao comentar num dos seus capítulos sobre a gênese do Credo Niceno-Constantinopolitano, afirma:
“...estava surgindo uma nova heresia contra o Espírito Santo, cujos adeptos foram denominados por Santo Atanásio “pneumatômacos” (lutadores contra o Espírito) e vulgarmente chamados “macedonianos” porque o fautor da heresia era Macedônio, bispo de Constantinopla. Um sínodo romano celebrado nos anos 380 foi ineficaz para contê-la, e o Papa São Dâmaso deu sua anuência ao Imperador Teodósio I para a celebração de um concílio em Constantinopla (381), de que participaram 150 bispos, todos orientais. O Papa não se fez representar, mas o Concílio de Calcedônia (451) o considerou expressão universal da Fé católica. Seu símbolo não é original, no que se refere ao Pai e ao Filho, mas dá nova explicitação quanto ao Espírito Santo, ao Qual chama Senhor e Vivificador [9. Chamar ao Espírito Santo “Senhor e Vivificador” equivale a chamá-Lo Deus, pois se trata de uma vivificação sobrenatural, que, já no século III, significava uma espécie de deificação; e só Deus pode deificar, “vivificar” o homem.], que procede do Pai, e, como o Pai e o Filho, é digno de adoração. Assim é claramente afirmada a divindade do Espírito Santo. Este Credo é conhecido, a partir do século XVII, como o Símbolo de Nicéia-Constantinopla.”
Ou seja - nem mesmo os mais recentes estudiosos dessa área confirmam a nada piedosa interpretação do Credo Niceno-Constantinopolitano como
"fraco",
"equívoco" ou
"ambíguo" feita por Pe.(?) Paulo Ricardo. Isto, evidentemente, é sinal distintivo que esta tese é antes uma distorção do que uma reta compreensão das verdades de fé professadas em Constantinopla.
Mas, afinal, em quem poderia ter se baseado Pe.(?) Paulo Ricardo para extrair ambiguidades inexistentes de um Concílio cuja Profissão de Fé adveio - muito provavelmente, segundo especialistas - da
inteiramente trinitária profissão de fé
Ancoratus, do Bispo de Salamina - Santo Epifânio? (vide DzH 42-45; ou
Dz 13-14) Segundo pude verificar no livro (livro que não indico, diga-se de passagem)
"The Seven Ecumenical Councils", do protestante
Philip Schaff, o historiador protestante
Adolf von Harnack - herege expoente do racionalismo e criticismo teológico protestante - defendeu no passado exatamente essa mesma proposição de Pe.(?) Paulo Ricardo de Azevedo Júnior acerca da equivocidade do Credo de Constantinopla em favor dos hereges pneumatômacos (vide
nota 205 do referido livro). E quase a mesma coisa foi insinuada por Joseph Ratzinger no seu livro
"Principles of Catholic Dogma", no Epílogo
"The Status of Church and Theology".
Suspeito, no mínimo...!
Dizer que um Concílio Ecumênico possui texto fraco e ambíguo descontextualizando-o (e fingindo que o texto do Decreto
"Auctorem Fidei" não condena a ambiguidade mesma existente em textos cuja retidão semântica deveria ser exemplar!), ou considerando abstratamente a sua profissão de fé sem qualquer relação com os seus decretos e anátemas é um erro que não pode ser aceito por pessoas que são honestamente católicas. Donde, além da irreverência em se questionar a credibilidade objetiva de um Concílio aprovado universalmente por toda Igreja, temos também a falsidade da acusação crítica contra o Concílio Ecumênico de Constantinopla.
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Erro nº 4: Pode-se fazer, para entender a criteriologia necessária à compreensão do Concílio Vaticano II, analogia com Concílio de Constantinopla.
Ao contrário do que escreveu o sr. Azevedo Júnior na página 14 nota 13 do seu opúsculo (
"Gostaria de descrever aqui o Concílio de Constantinopla, de 381, para entendermos o que devemos fazer com o Concílio Vaticano II."), não é possível estabelecer a específica analogia em questão entre estes Concílios sem ao mesmo tempo cometer um erro grave de distorção. Isso porque há tantas diferenças significativas entre o Concílio de Constantinopla e o Concílio Vaticano II que sequer pode-se afirmar que a Igreja poderá fazer com o segundo o mesmo que
"fez"(sic) com o primeiro.
Compreendendo que esse argumento só existe em função das mentirosas distorções anteriores, já devidamente refutadas, a força do argumento já é quase eliminada; mas para dar sinal da impropriedade com que foi tratada essa questão, convém colocar em relevo pelo menos 5 principais distinções (Obs: Argumentarei também
ex concessis, ou seja, a partir do modo de pensar do adversário, que reconheço deliberadamente como errôneo. Não significarão tais argumentos que eu admita tudo o que afirmarei acerca do CVII - como, por exemplo, a idéia de que o Vaticano II foi efetivamente aceito e aprovado pela suprema autoridade católica, isto é, um Sumo Pontífice).
São elas:
1ª - O Concílio de Constantinopla foi originalmente pensado para ser um Sínodo Regional, e não um Concílio Ecumênico. Já o Vaticano II foi desde o começo até o fim entendido como um Concílio Ecumênico. Se a autoridade formal do primeiro foi modificada após certo tempo (de regional para Ecumênico), a autoridade formal do segundo não teve nenhum hiato (sempre Ecumênico).
2ª - O Concílio de Constantinopla foi aprovado como Concílio Ecumênico após quase dois séculos de esclarecimentos sobre a sua doutrina, e ainda sim, não o foi integralmente. Já o Vaticano II gozou da chancela de Ecumênico após a aprovação definitiva de todos os seus documentos; coisa que aconteceu imediatamente após o fechamento do Concílio Vaticano II.
3ª - O Concílio de Constantinopla pretendia tratar de temas doutrinais. O Vaticano II pretendia tratar de temas pastorais, especialmente o "
Aggiornamento".
4ª - O Concílio de Constantinopla promulgou anátemas contra os grupos que prejudicavam a Fé Católica na época. O Vaticano II não só não o fez como evitou ao máximo qualquer linguagem negativa.
5ª - O Concílio de Constantinopla foi convocado pelo imperador romano Teodósio I, foi dirigido e fechado pelo Patriarca de Constantinopla. O Vaticano II começa, se desenvolve e termina com a presidência da máxima autoridade católica, ou seja, o Sumo Pontífice.
Daí depreende-se claramente: o nível de questionamento acerca de ambos é distinto. O contexto de ambos é distinto. O tema de ambos é distinto. O problema relativo a ambos também é distinto. Somente isso, a bom conhecedor da Fé Católica, já bastaria para fazer perceber que quaisquer analogias entre o Vaticano II e Constantinopla são, no mínimo, muito problemáticas. Mas nesse caso específico são mais do que meramente difíceis - são inapropriadas e indevidas.
Prova-se isso através da resolução de mais um dos possíveis desdobramentos argumentativos que pode-se ter ao ler o opúsculo, formulando assim a seguinte pergunta: se a Igreja demorou quase 2 séculos para aceitar o Concílio de Constantinopla como Concílio Ecumênico, porque o mesmo não pode se dar com o Concílio Vaticano II? Se foi o Concílio de Constantinopla também considerado problemático em seus cânones e decretos, mas mesmo assim foi aceito pela Igreja, qual a razão de negar-se isso ao Vaticano II? A resposta a tal objeção dá-se através da distinção do que é "aceitação"/"recepção" segundo toda a tese do autor aqui em análise.
Nas palavras de Pe.(?) Paulo Ricardo de Azevedo Júnior, "aceitar"/"receber" aqui significa tanto o processo histórico de compreensão e incorporação sociológica de uma doutrina numa determinada sociedade (no caso, a comunidade dos fiéis pertencentes à Igreja Católica) quanto a aprovação formal da doutrina pela Igreja. Pode-se provar isso claramente no discurso dele, especialmente ao ler a página 28 de seu opúsculo, que diz:
"Na aula passada, discorremos sobre o Vaticano II e definimos o que é um Concílio [Ecumênico]. Relembremos que este é a expressão da suprema autoridade da Igreja, porém, nem todo Concílio a expressa de forma eficaz. Na História da Igreja, muitos Concílios não foram bem-sucedidos. Isso deveu-se ao fato de que foram realizados, mas não houve receptio, não houve recepção, ou seja, as decisões não foram recebidas pela Igreja que, de alguma forma, não as reconheceu como expressão da fé apostólica."
E depois, no parágrafo imediatamente posterior ainda da mesma página, lemos:
"Vivemos uma época na qual o Concílio Vaticano II precisa ser recebido. Se analisarmos a história da Igreja, veremos que ela não tem a pressa, a rapidez que nós temos. Estamos na era da técnica, da informação imediata, na qual as reações são percebidas quase que automaticamente. Porém, as pessoas não se movem por decreto, e um corpo como o da Igreja não é mudado do dia para a noite, pois muitas coisas levam tempo para serem absorvidas."
Ainda, na próxima página, fechando o argumento:
"Não há, por exemplo, contradição entre o Concílio de Trento e o Vaticano II.(...) Os dois Concílios devem ser interpretados em consonância com os outros. Essa visão significa a verdadeira receptio, a verdadeira recepção do Concílio Vaticano II, que ainda está sendo posta em prática, visto ainda hoje não ter sido recebido em sua plenitude."
Estes textos são demonstrativos da confusão que denunciamos. Pe.(?) Paulo Ricardo usa equivocamente o termo chave de toda a sua argumentação (isto é,
recepção e seus derivados), advogando que ao mesmo tempo um Concílio Ecumênico precisa passar tanto por uma
recepção popular/sociológica para ser aceito como expressão da fé apostólica - uma monstruosa inversão criteriológica, condenada pela Igreja Católica - como pela
recepção enquanto aprovação formal do Magistério da Igreja. Mas ora, se algo passa pelo crivo da aprovação formal do Magistério da Igreja, não é necessária qualquer
recepção popular para se fazer deste objeto aprovado
"expressão da fé apostólica". Afinal, como já provamos ao denunciar o
erro nº1, esse critério é a-católico, errôneo. Oras, pode-se tolerar que alguém fale, num sentido amplo e pouco preciso, da
recepção do Concílio de Constantinopla pela Igreja, pois o mesmo foi analisado pela Igreja durante quase dois séculos antes de ser aprovado formalmente enquanto Concílio Ecumênico, após a depuração de todas as controvérsias relativas a autenticidade de cânones, das versões, etc. Mas pode-se dizer o mesmo do Vaticano II? Evidentemente a resposta é
não, como já provamos anteriormente; de modo nenhum podemos comparar, no referente à questão disputada, o Vaticano II ao de Constantinopla.
É assim que chega-se, pois, ao problema central: se o Vaticano II foi realmente um Concílio Ecumênico, uma
"expressão da fé apostólica" (efeito necessário de se aceitar a
recepção enquanto aprovação formal), então não se pode afirmar a necessidade hodierna de uma
"receptio" senão a quem é um herege. Mas, ao contrário, se um Concílio Ecumênico já aprovado pelas autoridades competentes só é
"expressão da fé apostólica" quando há uma
recepção popular/sociológica, então temos que não é mais o Sagrado Magistério Apostólico o sujeito quem determina o que é ou não
"expressão da fé apostólica": é o corpo dos leigos. É a Igreja popular. É o
Povo de Deus, no pior sentido do termo. É a Igreja de Boff e Betto de mãos dadas com a Igreja da
"hermenêutica da continuidade". Compreensível é, então, a motivação da Nova Roma nunca excomungar os Teólogos da Libertação: estes estavam defendendo, afinal, a mesma coisa que aqueles. Tanto os neoconservadores como os modernistas escancarados se irmanam na sua rejeição de uma criteriologia compatível com a fé católica para defender o Concílio Vaticano II.
Para quem teve a audácia de distorcer a criteriologia católica e juntamente com esta o Concílio de Constantinopla, que significa, afinal, afirmar que o Vaticano II pode ser julgado pelos mesmos critérios que se julgou o Concílio de Constantinopla? Significa uma só coisa: pode-se distorcer quaisquer palavras, para significar o que se quiser no momento em que se desejar.
Como tamanho absurdo passou despercebido aos olhos de tantos fiéis católicos?
Seria já o momento de denunciarmos o fruto daquela
"operação do erro" (cf.
II Tess 2,7-12) que Deus haveria de enviar aos que não amam a Verdade, antes que Cristo retornasse?
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Haveriam outros erros a serem discutidos ainda, mas não creio ser necessário continuar discorrendo sobre o tema: bastam esses erros para os senhores notarem claramente, segundo os moldes expostos por Pe.(?) Paulo Ricardo de Azevedo Júnior:
a "
Hermenêutica da Continuidade" não passa de uma farsa, de um enorme conjunto de erros acerca da fé católica que não merecem nossa adesão ou credibilidade.
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Fraternalmente,
em Jesus e Maria,
Aruan J.B.de Freitas