sábado, 19 de julho de 2008

Da Humildade – parte I


Palavra que advém do latim, "humilitas", da raiz latina "humus", que significa terra. Em português, a palavra 'terra' é um gênero do qual a palavra 'humus' (terra fértil) é uma espécie; essa distinção acabou separando em duas a única noção simbólica que embebia a compreensão antiga deste termo, 'terra', que levava consigo o significado de fertilidade, de casa, de fonte de vida e ao mesmo tempo de solo, terreno, chão, pó.

Como nos diz São Paulo, podemos compreender através das obras visíveis, encontramos imagens refletidas das perfeições invisíveis do único Deus. Símbolos de perfeições celestes, que podem servir ao espírito amante da verdade, como meios para levar ao conhecimento da existência do Criador.

E o símbolo por excelência da humildade é a terra, o pó, aquilo que é baixo e pequenino. Daquilo que se passa como que escondido, oculto, insignificante; mas gera a vida.

Voltaremos a este ponto adiante.

De todas as virtudes, é inegável o grande valor que a humildade conquistou após o advento do Cristianismo no mundo. Nem mesmo os judeus (refiro-me aos verdadeiros judeus, e não aos sucessores dos fariseus e saduceus que pisam nesta Terra) possuiriam uma concepção tão fina, agudíssima, de humildade como os cristãos. Mesmo tendo alguns fundamentos doutrinais comuns, dificilmente compreenderiam a idéia da humildade como um atributo que até mesmo Deus usaria como manto para Sua Glória.

O Deus que os judeus podem ver é o Deus da coluna de fogo, da abertura do Mar Vermelho, dos anjos combatentes, das 10 pragas do Egito, o Deus cuja mão forte e soberana sempre se manifesta sem rodeios: é um Deus cuja Glória é tamanha em seus feitos e prodígios que inspira respeito, admiração, reverência e submissão.

Com efeito, tal dimensão das potências da Única Divindade permitiria com que os judeus compreendessem retamente o primeiro grau de humildade, isto é, aquele grau de humildade que naturalmente surge quando nos deparamos com a sublimidade terrível de algo gigantesco, colossal. E tal humildade, com grande razão, nascerá diante do Altíssimo, com a magnificência Daquele que exclama: "A quem podereis comparar-Me ou igualar-Me? Quem poreis em paralelo Comigo, que Me seja igual?" (Isaías 46,5).

"Ninguém é santo como o Senhor. Não existe outro Deus, além de vós, nem rochedo semelhante ao nosso Deus" (I Samuel 2,2), dirá o profeta. E por causa disso, Deus convoca seu povo para humilhar-se diante dele, isto é, para reconhecer a Grandeza Insondável de sua Divindade.

A ênfase no sentido de humildade que os judeus poderiam compreender estava, assim, claramente ligada à concepção da Glória Divina do Único Senhor. E desta noção adviria uma humildade virtuosa? Sim, mas certamente incompleta, haja visto que não puderam apreender um exemplo positivo de humildade por parte de Deus mesmo, que encarna na fé judaica, a consumação de todas as perfeições. Faltavam-lhes a compreensão da humildade divina, embora abundassem exemplos da humildade humana.

Sabiam que o ato de humildade, por essencialmente ser um ato de reconhecimento da grandeza do Altíssimo, seria inconveniente a Deus mesmo manifestar humildade. Até porque, não há ninguém igual a Ele, nem que Lhe seja superior; a relação de humildade só poderia nascer do homem para Deus, tornando-se assim um ato humano por excelência. Só o homem poderia ser humilde nesse sentido, jamais Deus; era, no que se refere à dignidade, o único estado de espírito a partir do qual o homem poderia relacionar-se com o Senhor.

Fato este é comprovado com uma análise das Escrituras da Antiga Aliança, o Velho Testamento. Nestas, Deus pede humildade, faz ser humildes os homens, protege os humildes, e em virtude da humildade – ou da falta dela – recompensa aos homens segundo seus atos. Por isso os nossos antepassados na fé podiam exclamar "Humilhemo-nos diante dele e prestemos-lhe nosso culto com espírito de humildade.", dirá o livro de Judite (8,16); e ainda no livro dos Salmos (17,28) "Os humildes salvais, os semblantes soberbos humilhais".

Mas não poderiam falar que Deus é humilde, e que a humildade convém ao Altíssimo.

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