domingo, 20 de julho de 2008

Da Humildade - parte III


É pela humildade dos seus fiéis que Deus guia-os para a retidão do caminho salvífico. Dirá o Salmista (24,9): "Dirige os humildes na justiça, e lhes ensina a sua via.". E Cristo, que se chamava "Caminho, Verdade e Vida" (cf. Jo 14,6), dirá: "Tomai meu jugo sobre vós e recebei minha doutrina, porque eu sou manso e humilde de coração e achareis o repouso para as vossas almas" (Mt 11,29).

Podemos, assim, chamar o grão de mostarda retratado nos evangelhos sinóticos como símbolo dessa mesma virtude: é a menor das sementes, desprezada e mínima dentre as outras, mas no tempo devido cresce, frutifica, tornando-se um arbusto tão grande e frondoso que os pássaros nele fazem ninhos. Por isso, o sentido simbólico de terra ("humus") e a virtude da humildade são intercambiáveis: a terra que dá a vida, é a terra sob a qual todos estão, que é calcada pelos pés, que é pó e cinza, que nada aparenta ser de relevante.

"De que te orgulhas, ó homem" - diz Evágrio Pôntico – "quando por natureza sois barro e pó e por que te elevas sobre as nuvens? Contempla tua natureza, porque sois terra e cinza, e em breve voltarás ao pó, agora soberbo e, dentro de pouco, verme. Para que elevas a cabeça que daqui a pouco cairá por terra?". É esta terra-nada da qual o homem foi feito, para a qual o homem retornará em ocasião de sua morte, mas é por esta mesma terra que a Vida Divina se inclinará, derramando Beneplácito, e Graça. "A humildade é coisa mínima diante dos homens, porém, preciosa e estimada diante de Deus. Se a adquirimos pisaremos todo o poder do inimigo", dirá São Pacômio de Tabenési (em sua obra "Exortação sobre o Rancor de um Monge").

A terra e a cinza é o que os profetas e os antigos monges jogavam sobre si nos momentos de penitência, para, empoeirados, humilhar-se diante de Deus Altíssimo. É a Quarta-feira de Cinzas, que até hoje precede a Quaresma da Liturgia Cristã Católica, e que convida à humilhação da alma, lembrando-nos que "Tu és pó, e ao pó tu retornarás" (Gn 3,19)

Em vista disso, no Cristianismo a expressão "humilde terra" seria quase um pleonasmo.

A virtude da humildade é hábito moral, fruto de um ato da vontade que não aspira ser o mestre senão o servo que se doa por amor. Não por obséquio dirá Jesus: "Se alguém quer ser o primeiro, seja o último de todos e o servo de todos" (Mc 9,35)

É atributo necessário à salvação, pois é a humildade que servirá de contraponto à soberba, um dos vícios capitais mais maléficos, senão "O" vício por excelência, "raiz de todos os outros pecados" como disseram grandes baluartes da fé como Santo Tomás de Aquino (cf. Suma Teológica, II-IIae, q.162, a.2) e São Gregório Magno.

Santo Agostinho, dizendo que se "o homem[Adão] caiu por orgulho, [Deus] recorreu à humildade para o curar", reforçará a necessidade desta virtude na vida cristã.

E, como já foi dito, os cristãos verão em Cristo essa salutar humildade encarnada. Jesus Cristo, manso e humilde de coração, enfatizará a necessidade da humildade, dizendo que quem não for humilde como uma criança, não entrará no Reino dos Céus. (cf. Mt 18,4; Mc 10,15). É humilde o "pobre de espírito", "manso", que é fiel a si mesmo e a sua realidade concreta. Por isso fala o santo bispo de Hipona: "Aceita-te como homem: isso é humilde".

O humilde reconhece que, se apenas pela Justiça fosse julgado, não outro destino teria senão a escuridão perpétua do Inferno, lar da verdadeira morte. Por isso, jamais sua mente é irmã da vanglória dos hereges, os quais, de modo ímpio, dizem: "Estou já estou salvo, estou definitivamente salvo! Sou santo, sou santo desde agora e por toda eternidade! Deus deu-me a graça e dela tomo posse". No humilde, a vontade inclina-se sempre a considerar suas misérias em primeiro plano, como atos próprios decorrentes de suas imperfeições, e se nele vê algo de bom, remete logo ao seu Senhor, como dádiva da qual ele é indigno.

Tal homem, pela humildade, "se julga só a si mesmo, dizendo: 'Meus pecados sobrepassam os dos demais', não julga a nada, não condena a nada."; já que "Os caminhos de Deus são a humildade de coração e a bondade. Pois está escrito: 'A quem cuidarei senão ao humilde e ao pacífico?' (Rm 14,4)" - explica São Pacômio de Tabenési.

Os cristãos glorificam o valor da humildade em Cristo e em seus imitadores, os santos. Em especial os monges seguidores da Ordem de São Bento, com seus 12 graus de humildade, dignificam a memória de São Bento e do Cristo que, nesta terra, despojou-se e humilhou-se até a morte, e morte de Cruz.

Quão sublime é a jóia da humildade!

Como pérola de grande valor, enterrada, ela é a coroa das virtudes, a mãe do espírito da verdadeira oração que agrada a Deus, sopro de vida que animará o espírito ao Céu. E por isso dirá o padre do deserto, o abade Pastor: "O homem deve incessantemente respirar a humildade e o temor de Deus, do mesmo modo que inala e expele o ar através das narinas".

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