domingo, 20 de julho de 2008

Da Humildade - parte II


Diferente dos judeus, a compreensão cristã da virtude "humildade" é perceptível através da noção de humildade enquanto atributo não só possível, mas como verdadeiramente necessário a Deus, fonte de tudo o que é virtuoso. No Cristianismo, é Deus mesmo que é a fonte de toda humildade, e Ele mesmo nos dá o exemplo mais sublime de humildade.

A primeira e mais explícita justificativa dos cristãos para conceber a humildade divina pressupõe a comunicação de Deus com os homens através da Revelação, seja parcial, seja total. Ora, Deus é excelso e inatingível em todas as suas perfeições – como bem nos ensina a Santa Madre Igreja e as Escrituras Sagradas –, sendo que a visão d'Ele em todo o seu Esplendor e Poder traria a inevitavelmente a morte do seu observador, como fica claro ao escutarmos o testemunho do livro de Êxodo (33,20): "Mas, ajuntou o Senhor [a Moisés], não poderás ver a Minha Face, pois o homem não poderia Me ver e continuar a viver."

Então, como seria possível que Deus se manifestasse numa revelação ao homem, se Ele não entrasse numa verdadeira abstração de si mesmo, mitigando a aparência de Sua Glória e conformando-se, na medida do possível, àquilo que a criatura é capaz de captar, em fraqueza e miséria? Como poderia o Altíssimo ser contemplado, se antes Ele não cobrir-se com um velo que salve nossa existência?

Estaria aí, então, o primeiro passo daquilo que os cristãos chamam de humildade de Deus: Ele se abaixa das supremas alturas, se revela em Seu Poder e Glória, mas faz isso de maneira humilde, ou seja, revela-se conforme a nossa pequenez – não porque isso é uma necessidade, mas porque tanto nos ama que permite-Se este rebaixamento em nosso favor. É como o pai que, podendo falar de modo eloqüente, soletra vagarosamente o alfabeto no intuito de guiar a criança que balbucia. Em nada Sua Suprema Dignidade e Poder é diminuído, pois Deus continua sendo quem Ele é; mas em nosso favor e para gozarmos das perfeições celestes do convívio com Deus, abaixa-Se com afetuoso amor.

No Cristianismo, então, a ênfase significativa da virtude da humildade não está em ser aquele atributo que é gerado, externamente, por uma Grandeza Suprema que nos oprime pela Majestade, embora também admita ser a humildade decorrente dessa situação. A afirmação mais insistente no Cristianismo sobre a humildade possui diferente ótica: é a do Deus que se faz carne, e habita entre nós. É do Cristo Jesus, que São Paulo, inspirado por este mesmo Senhor, descreve aos Filipenses da seguinte maneira: "Sendo ele de condição divina, não se prevaleceu de sua igualdade com Deus, mas aniquilou-se a si mesmo, assumindo a condição de escravo e assemelhando-se aos homens. E, sendo exteriormente reconhecido como homem, humilhou-se ainda mais, tornando-se obediente até a morte, e morte de cruz." (2,6-8).

O abaixar-se de Deus em Jesus Cristo na encarnação do Verbo e na morte de Cruz é, então, o ápice exemplar de Humildade, a imagem simbólica perfeita, redimindo essa virtude de sua ênfase humana com um ato cuja honra é elevada aos píncaros da Caridade perfeita que só de Deus poderia advir. É por causa dessa compreensão que Agostinho, um dos Santos Doutores da Igreja, disse: "Adão, sendo homem, quis tornar-se Deus e perdeu-se. Cristo, sendo Deus, quis tornar-se homem para a salvação do homem. Por seu orgulho o homem caiu tão baixo que só podia ser levantado pelo abaixar-se de Deus."

Então, encarnada na Pessoa de Jesus Cristo, o Deus-Filho, o exemplo último de humildade, podemos compreender com concretude alguns dos símbolos e exemplos sob os quais os cristãos figurariam as características fundamentais dessa virtude, que aqui trataremos de maneira geral.

Nenhum comentário: