sábado, 28 de fevereiro de 2009

Introdução à meditação (Anônimo)

Caríssimo,

Por meio desta pequenina contribuição, desejo dar-lhe alguns conselhos que talvez possam ajudar-lhe em suas vivas aspirações por um desenvolvimento na meditação cristã. Por isso, em primeiro lugar, farei uma breve introdução ao tema 'meditação', e depois farei a exposição de um método que aprendi por conta própria, com minha experiência. Sinta-se livre para usar outros modos, esse é apenas um - e duvido que seja dos mais perfeitos.

Sendo assim, e rogando a Jesus Cristo através da intercessão da Santíssima Virgem Maria para que aproveites como convém este artigo, dou lugar à exposição.


1-) Meditar, o que é?

Em que se consiste a meditação? Quando se diz que alguém está meditando, o que de fato tal pessoa está fazendo? Quais são os fundamentos de uma meditação bem feita?

Os monges budistas meditam. Os enclausurados católicos meditam. Os filósofos meditam. Mesmo um trabalhador do campo ou um operário de chão de fábrica pode meditar.

A meditação, considerada de modo abrangente, é o concentrar-se, é o ato de fixar a sua atenção em um determinado objeto. Há graus mais ou menos intensos de meditação, segundo a gradação e a quantidade de referenciais intelectuais/sensorais/volitivos voltados para o mesmo objeto.

Não vou me ater aos diferentes tipos de meditação, pois esse manual não possui a pretensão de tornar-se um tratado sobre o tema. Agora,vou ensinar-te os primeiros passos da meditação cristã, a fim de que não percas o progresso espiritual até agora conquistado, e também para que possas tornar-te um homem melhor, através da conformação da sua vida à vida de Cristo e dos seus santos.

2-) Exemplos de meditadores e do valor da meditação

Nas Sagradas Escrituras, há um perpétuo convite à meditação. Diz o Salmo 1,2: "Feliz aquele que se compraz no serviço do Senhor e medita sua lei dia e noite." No Salmo 48, 2-4: "Escutai, povos todos; atendei, todos vós que habitais a terra, humildes e poderosos, tanto ricos como pobres. Dirão os meus lábios palavras de sabedoria, e o meu coração meditará pensamentos profundos." E no 76,12-13: "Das ações do Senhor eu me recordo, lembro-me de suas maravilhas de outrora. Reflito em todas vossas obras, e em vossos prodígios eu medito." Essas passagens são explícitas demonstrações práticas de meditação.

Jesus Bem Sirac escreve, inspirado por Deus, no Sexto capítulo do livro de Eclesiástico: "Meu filho, se me ouvires com atenção, serás instruído; se submeteres o teu espírito, tornar-te-ás sábio. Se me deres ouvido, receberás a doutrina. Se gostares de ouvir, adquirirás a sabedoria. Permanece na companhia dos doutos anciãos, une-te de coração à sua sabedoria, a fim de que possas ouvir o que dizem de Deus, e não te escapem suas louváveis máximas. Se vires um homem sensato, madruga para ir ter com ele, desgaste o teu pé o limiar de sua porta. Concentra teu pensamento nos preceitos de Deus, sê assíduo à meditação de seus mandamentos. Ele próprio te dará um coração, e ser-te-á concedida a sabedoria que desejas."(33-37).

E a Virgem Maria, exemplo sublime de todo homem que medita, é mostrada pelas escrituras como exemplo clássico de meditadora. Em Lucas 2, lemos: "Havia nos arredores uns pastores, que vigiavam e guardavam seu rebanho nos campos durante as vigílias da noite. Um anjo do Senhor apareceu-lhes e a glória do Senhor refulgiu ao redor deles, e tiveram grande temor. O anjo disse-lhes: Não temais, eis que vos anuncio uma boa nova que será alegria para todo o povo: Hoje vos nasceu na Cidade de Davi um Salvador, que é o Cristo Senhor. Isto vos servirá de sinal: achareis um recém-nascido envolto em faixas e posto numa manjedoura. E subitamente ao anjo se juntou uma multidão do exército celeste, que louvava a Deus e dizia: Glória a Deus no mais alto dos céus e na terra paz aos homens, objetos da benevolência (divina). Depois que os anjos os deixaram e voltaram para o céu, falaram os pastores uns com os outros: Vamos até Belém e vejamos o que se realizou e o que o Senhor nos manifestou. Foram com grande pressa e acharam Maria e José, e o menino deitado na manjedoura. Vendo-o, contaram o que se lhes havia dito a respeito deste menino. Todos os que os ouviam admiravam-se das coisas que lhes contavam os pastores. Maria conservava todas estas palavras, meditando-as no seu coração. Voltaram os pastores, glorificando e louvando a Deus por tudo o que tinham ouvido e visto, e que estava de acordo com o que lhes fora dito.".

Jesus também desejava que os homens meditassem santamente, refletindo nas ações dele e nos prodígios de Deus, bem como em seus mistérios: "Jesus advertiu-os: Abri os olhos e acautelai-vos do fermento dos fariseus e do fermento de Herodes! E eles comentavam entre si que era por não terem pão. Jesus percebeu-o e disse-lhes: Por que discutis por não terdes pão? Ainda não tendes refletido nem compreendido? Tendes, pois, o coração insensível? Tendo olhos, não vedes? E tendo ouvidos, não ouvis? Não vos lembrais mais? Ao partir eu os cinco pães entre os cinco mil, quantos cestos recolhestes cheios de pedaços? Responderam-lhe: Doze. E quando eu parti os sete pães entre os quatro mil homens, quantos cestos de pedaços levantastes? Sete, responderam-lhe. Jesus disse-lhes: Como é que ainda não entendeis?..."(Lc 8,15-21).

Em parábolas Jesus falava exatamente para fazer com que os seus ouvintes refletissem e meditassem na palavra de Deus. Em Marcos 13, diz o Senhor: "Aquele que tem ouvidos, ouça. Os discípulos aproximaram-se dele, então, para dizer-lhe: Por que lhes falas em parábolas? Respondeu Jesus: Porque a vós é dado compreender os mistérios do Reino dos céus, mas a eles não. Ao que tem, se lhe dará e terá em abundância, mas ao que não tem será tirado até mesmo o que tem. Eis por que lhes falo em parábolas: para que, vendo, não vejam e, ouvindo, não ouçam nem compreendam. Assim se cumpre para eles o que foi dito pelo profeta Isaías: Ouvireis com vossos ouvidos e não entendereis, olhareis com vossos olhos e não vereis, porque o coração deste povo se endureceu: taparam os seus ouvidos e fecharam os seus olhos, para que seus olhos não vejam e seus ouvidos não ouçam, nem seu coração compreenda; para que não se convertam e eu os sare (Is 6,9s). Mas, quanto a vós, bem-aventurados os vossos olhos, porque vêem! Ditosos os vossos ouvidos, porque ouvem! Eu vos declaro, em verdade: muitos profetas e justos desejaram ver o que vedes e não o viram, ouvir o que ouvis e não ouviram." (9-17).

A expressão "Quem tem ouvidos para ouvir, ouça" refere-se exatamente a isso: quem fica atento para a realidade que agora diante de vós é manifesta, que a aceite! E para tal intento, a reflexão, a meditação é um instrumento privilegiado, pois abre-nos a atenção para aquilo que está diante de nós, mas não vemos; está sendo dito, mas não está sendo escutado... A meditação ajuda-nos a discernir a verdade, e ajuda-nos a adequarmo-nos a ela assim que esta for compreendida e manifesta. É um dos métodos para se aproximar à Verdade.

O valor da meditação nas coisas é importante para delas extrairmos verdades simples, fundamentais. E, se nas coisas do mundo a meditação é necessária, nas coisas do alto, não seria? Se para as coisas indignas há meditação, não haverá meditação para as dignas??

3-) O ato da meditação cristã

Fixarmos a nossa atenção em determinado objeto é bom, pois nos ajuda a compreender o objeto, as verdades a ele inerentes, e as verdades e exemplos que esse mesmo objeto traz consigo. Há diferentes objetos de meditação (objetos sobre os quais refletimos). O mais digno deles é Deus mesmo, a Verdade mesma, o Amor mesmo, o Supremo Ser.

A meditação cristã visa essencialmente contemplar através da intencionalidade espiritual dirigida para os acontecimentos da história da Salvação, desde o antigo testamento até a vida dos santos atuais, a sua principal e máxima fonte de reflexão: a anunciação, o nascimento, desenvolvimento, vida, paixão, morte e ressurreição de Nosso Senhor Jesus Cristo, o Filho de Deus vivo, o Intelecto de Deus encarnado – Caminho, Verdade e Vida.

Sendo assim, nosso principal objeto é meditar na vida de Cristo. É meditar sobre Cristo, em Cristo, por Cristo e para Cristo. É meditar nas ações, sentimentos, ensinamentos d'Ele. É aprender com o Supremo Mestre. É buscar beber da fonte de água viva da Verdade Divina que entre nós viveu, morreu e ressuscitou.

Prova disso é aquilo que Jesus disse à Marta, irmã de Lázaro: "Estando Jesus em viagem, entrou numa aldeia, onde uma mulher, chamada Marta, o recebeu em sua casa. Tinha ela uma irmã por nome Maria, que se assentou aos pés do Senhor para ouvi-lo falar. Marta, toda preocupada na lida da casa, veio a Jesus e disse: Senhor, não te importas que minha irmã me deixe só a servir? Dize-lhe que me ajude. Respondeu-lhe o Senhor: Marta, Marta, andas muito inquieta e te preocupas com muitas coisas; no entanto, uma só coisa é necessária; Maria escolheu a boa parte, que lhe não será tirada." (Lc 10,38-42)

Cada ato de Cristo, cada expressão, ensinamento, palavra, cada aspecto de Jesus, cada tentativa de imitação de Cristo na vida dos santos... tudo isso deve ser objeto de nossa meditação cristã.

E como o Senhor Jesus era o Cordeiro de Deus, o cordeiro perfeito sem mancha de espécie alguma, também nós devemos procurar sermos como Ele. Mas como seremos Cristo sem a ele nossa mente, nossa vontade e nossas ações estarem conformadas? Como é que passaremos a imitar a Cristo se não temos conhecimento do quê imitar?

É para isso que a meditação cristã existe. Ela é um meio, e não um fim em si mesma.

4-) Como meditar?

O método da meditação cristã pode ter como objeto qualquer coisa que leve alguém a compreender e conformar melhor a sua vida à vida de Jesus.

A meditação mais conhecida e certamente a mais praticada dentre os meios cristãos é meditação dos Mistérios do Santo Rosário Mariano. Mistérios Gozosos, Dolorosos e Gloriosos da vida de Cristo.

Como a vida de Cristo é perfeitamente humana e perfeitamente divina, assim creio que também deve ser a meditação cristã: ela deve cotejar aspectos sensoriais, volitivos, intelectuais e espirituais em sua meditação, dentro de um recorte que é o próprio objeto da meditação.

E como a meditação é um processo intelectivo de concentração intencional sobre um acontecimento(fato), um ensinamento(doutrina) ou uma pessoa(indivíduo), é importante evitar todo tipo de distração – intelectiva, volitiva ou sensorial. Que seus sentimentos, vontade e ação estejam completamente submersos no ato da meditação. Se quiserdes fechar os olhos, isso será um instrumento facilitador para evitar a dispersão do espírito. Se quiser desligar o celular, o telefone, a televisão... se quiser ir para um lugar silencioso, evitar contatos com o exterior, evitar estar com desconforto físico, etc. Tudo isso é fundamental para centrar-se em pensamentos dignos e frutuosos durante meditação.

Meu método não é um método perfeito. Ele é adequado segundo nas necessidades, o objeto, as minhas disposições e as disposições do ambiente no qual estou, etc. Sintam-se livres para discordar de mim e encontrar meios mais perfeitos, pois creio ser minha contribuição bastante pequena nessa área.

Explico como meditar, por exemplo, através dum acontecimento bíblico: a Anunciação da encarnação de Cristo feita pelo anjo Gabriel à Santíssima Virgem Maria. Vejamos o relato no livro de Lucas 1,25-38, que nos servirá de material (será o objeto) dessa meditação.

"No sexto mês, o anjo Gabriel foi enviado por Deus a uma cidade da Galiléia, chamada Nazaré, a uma virgem desposada com um homem que se chamava José, da casa de Davi e o nome da virgem era Maria. Entrando, o anjo disse-lhe: Ave, cheia de graça, o Senhor é contigo. Perturbou-se ela com estas palavras e pôs-se a pensar no que significaria semelhante saudação. O anjo disse-lhe: Não temas, Maria, pois encontraste graça diante de Deus.Eis que conceberás e darás à luz um filho, e lhe porás o nome de Jesus. Ele será grande e chamar-se-á Filho do Altíssimo, e o Senhor Deus lhe dará o trono de seu pai Davi; e reinará eternamente na casa de Jacó, e o seu reino não terá fim. Maria perguntou ao anjo: Como se fará isso, pois não conheço homem? Respondeu-lhe o anjo: O Espírito Santo descerá sobre ti, e a força do Altíssimo te envolverá com a sua sombra. Por isso o ente santo que nascer de ti será chamado Filho de Deus. Também Isabel, tua parenta, até ela concebeu um filho na sua velhice; e já está no sexto mês aquela que é tida por estéril, porque a Deus nenhuma coisa é impossível. Então disse Maria: Eis aqui a serva do Senhor. Faça-se em mim segundo a tua palavra. E o anjo afastou-se dela.".

4.1-) Aspectos sensíveis da meditação

Pensemos primeiramente nos aspectos sensíveis – ver, tocar, cheirar, experimentar, sentir, ouvir. Procure conceber em sua mente como era a Galiléia. Imagine a região da Galiléia, e um vilarejo chamado Nazaré. Use, para reconstruir essa imagem mental, todas as informações disponíveis que tendes sobre aquela região: clima, umidade, tempo, data, condições físicas, sociais, econômicas, espirituais, culturais, de saúde, de vestimentas e estética, de trabalho e de religião. Depois de pensar nesse grande lugar, vá até a casa de Maria. Como é a casa de Maria? Muitos, poucos cômodos? É limpa, aseada? Empoeirada, cheia de areia? Está feita com que tipo de material? Como são os móveis? Como está a iluminação? Janelas? Bens de consumo, alimentos, roupas, onde fica cada coisa? E espiritualmente? Procure ver a casa espiritualmente as relações da Virgem Maria. Ela é uma casa abençoada por Deus? Há anjos em volta da Virgem? E como são os anjos? E como é a relação dos anjos com a Virgem Maria? Como eles se comportam antes do anúncio do arcanjo Gabriel? E antes um pouco da anunciação, estava a Virgem fazendo o quê? Estava cozinhando? Rezando? Meditando? Ou estava entretida com outras atividades?

A imaginação sensível – como podemos notar acima – preocupar-se-á com aquilo que você estará sentindo durante o acontecimento meditado, como se lá você estivesse. Alguns preferem ficar assumindo papéis durante a meditação (uns pensam-se como o anjo, ou como Nossa Senhora), outros são como que um observador invisível daqueles fatos, outros ainda sentem-se ora como um, ora como outro, ora os dois, ora nenhum (temos nesse caso um meditador observador e partícipe). Não obstante o papel que assumas, procura guiar teus sentidos para aquilo que eles deveriam sentir se lá estivessem. Eles devem tentar reproduzir as sensações daquilo que é o objeto de meditação, e essas sensações devem ser atualizadas a cada momento, a cada informação nova que vai se apresentando à nossa mente durante a meditação do acontecimento.

Ou seja: se você sentia algumas coisas antes da aparição do Anjo, a esses sentimentos novos fatos foram agregados, e esses fatos produzem novos sentimentos que devem ser meditados simultaneamente. Num instante a Virgem estava entretida com uma atividade e depois – oh! – um anjo se apresenta diante dela! Quais reações sensoriais aí estão envolvidas? Certamente são diferentes daquelas que a atividade anterior oferecia. Tudo isso é simultâneo na meditação, que progride reproduzindo os sentimentos segundo a ordem narrativa do evento meditado.

4.2-) Aspectos volitivos da meditação

Depois, vamos para a meditação volitiva do fato meditado. Da palavra 'volição' é que vem a palavra 'vontade', e exatamente isso é o que observaremos dentro dos acontecimentos sentidos. Qual era a vontade de Deus, em primeiro lugar, ao mandar o anjo fazer a anunciação? E a vontade do anjo Gabriel, qual era? E a dos anjos que estavam ali, mas não faziam a anunciação? E a vontade da Virgem, pouco antes da anunciação, como seria? E durante, e depois? O que queriam cada um dos envolvidos no acontecimento? Como é que a vontade deles reagia aos acontecimentos dos quais eles eram participantes? Como a vontade humana ou angélica interagiam? Os sentimentos criados por efeito dos fatos sensíveis e intelectivos afetavam a vontade (isto é, os aspectos volitivos) daqueles que na anunciação estavam envolvidos, ou não??

Os aspectos volitivos (a vontade) podem ser divididos - segundo o objeto - como aspectos prévios (antes do evento meditado), aspectos posteriores (depois do evento meditado) ou aspectos intermediários (que se manifestam 'durante' o evento meditado). E cada aspecto volitivo é também simultâneo ao desenvolvimento dos fatos na narração da anunciação. Ou seja, a cada ato que acontece na narração bíblica, há uma relevância sensorial especifica, bem como uma relevância volitiva específica – que pode acompanhar ou não as relevâncias sensoriais. Trocando em miúdos através de um exemplo: a sensibilidade física da Virgem Maria mudou bastante conforme o acontecimento da aparição angélica (sentiu o anjo, viu o anjo, ouviu o anjo, escutou a saudação do anjo, etc) mas por acaso houve nesse meio tempo entre a aparição e a atividade anterior alguma relevante nota volitiva? Houve alguma decisão da vontade digna de nota durante esse acontecimento??

Por isso, embora a cada fato exista um fator volitivo em questão, os fatores volitivos dignos de relevância e valor são percebidos como diferentes dos sensitivos. Enquanto para os sentidos determinados fatos são relevantes de serem lembrados com o intuito de mergulhar o nosso corpo no evento da meditação cristã, os fatores volitivos que são relevantes podem pulular depois de vários eventos sensíveis ou intelectivos, ou mesmo depois de nenhum (uma decisão arbitrária, por exemplo). Para percebermos esses eventos volitivos, é necessário pelo menos momentaneamente realizar um juízo de valor sobre a soma dos fatos e sua relevância até aquele momento.

Os fatores volitivos posteriores ao evento devem ser considerados pouco antes de terminar a meditação; a eles podemos nos adequar se são bons. Podemos rejeitar se são maus. Exemplo: a Virgem Maria disse que ali estava a serva do Senhor, e rogou para que nela se fizesse a Vontade Divina. Tal disposição volitiva teve um resultado? Ele foi bom? Deve ser imitado em alguma medida? Que mais pode ser imitado? E quanto aos aspectos volitivos que foram maus? Quais deles devem ser evitados? Quais lições podemos extrair através daquelas disposições volitivas (decisões) a serem rejeitadas? Etc.

4.3-) Aspectos intelectivos da meditação

Os aspectos intelectivos da meditação são os mais abrangentes, e de longe são os que mais produzem frutos na alma piedosa que aspira à Verdade.

Os aspectos intelectivos da meditação são as verdades que podem ser apreendidas através da atenta observação do acontecimento, bem como das íntimas verdades que tal fato nos comunica por si só e em relação com outros fatos. Por exemplo: quando vemos a Virgem Maria receber, numa cidadezinha da Galiléia, a anunciação angélica de que haveria de conceber o Redentor, quais coisas podemos aprender? Quais lições Deus nos dá a conhecer através desses eventos? Poderíamos aprender muitas coisas, segundo os símbolos ali descritos, segundo os detalhes dos eventos, segundo as disposições da providência Divina...

No Antigo Testamento, Deus havia prometido que de uma moça virgem o Messias (Cristo) seria concebido. Conclusões possíveis: Deus cumpriu sua promessa. Deus é fiel para com as suas promessas, e n'Ele podemos depositar nossa confiança. Deus lembrou-se dos homens em tudo, mesmo no cumprimento de suas 'obrigações auto-impostas'.

Deus manda um anjo avisar à Virgem Santíssima de que ela conceberá através do Espírito Santo, e que o manto do altíssimo a cobrirá. O antigo sinal judaico para 'desposar alguém' era colocar a pessoa desposada sobre o manto daquela que está desposando. Sendo assim, vemos Deus assumindo a Virgem Maria como 'Esposa de Seu Espírito', tornando aquela mulher a criatura mais entranhada na Trindade: Filha de Deus-Pai, Esposa do Deus-Espírito Santo e Mãe de Deus-Filho. Isso nos mostra o quanto Deus amou e ama a Virgem Maria, do modo que ela se torne, de todas as criaturas, a mais agraciada. Afinal, o texto sacro também não diz que o anjo a chamou "CHEIA de Graça"? Cheia, repleta, puro e inviolado Vaso da Graça Divina!

Tais verdades, quer sejam veladas ou explícitas, são maravilhosas imagens refletidas de Deus nas criaturas, nos acontecimentos e fatos, que nos fazem rejubilar de alegria do Espírito durante a meditação. Cada fato, cada detalhe percebido em sua verdade íntima ou correlata, pode levar-nos à contemplação de uma realidade cada vez mais densa, mais profunda, completa e salvífica.

É através destas que nosso intelecto começará a fruir da Graça de Deus reservada àqueles que são amantes da Verdade. A meditação já é uma alegria que aparenta como que um prelúdio da beatitude celeste, e os aspectos intelectivos são como que a doce seiva que preencherá os frutos da meditação.

Novamente insisto que para cada fato da narração bíblica meditada, há por vezes muitos aspectos intelectivos dignos de nota, ou apenas um. Aconselho que cada pessoa escolha aqueles que acredita serem os mais relevantes para o significado total daquele evento meditado. Segundo as disponibilidades de tempo, cada um pode ficar desde alguns minutos, horas, dias ou até meses meditando nos inúmeros aspectos intelectivos de cada objeto.

Os aspectos intelectivos também são flexíveis quanto a sua abrangência. Alguns são relativos a um grupo de eventos, outros são relativos a um evento particular. Como tais, há aspectos de verdades maiores e menores, mais relevantes e menos relevantes segundo o interesse daquele que medita, segundo os seus objetivos.

5-) A Oração

Como fruto da meditação, a oração é sua atividade complementar. Através da oração cristã e da meditação, podemos adequar nossa vontade a Cristo e aos seus Santos, para então vivermos como Ele, agirmos como Ele, sermos como Ele, no intuito de nos tornarmos Santos.

Na meditação cristã do Terço, enquanto se pronunciam vocalmente as orações normais do católico, meditamos nos mistérios da redenção divina. Adequamos e ocupamos assim o homem como um todo na hora de orar e meditar, fazendo disso o instrumento por excelência de um desenvolvimento sadio da espiritualidade e intimidade com Deus – Caminho, Verdade e Vida Plena a qual todos nós aspiramos.

Podemos rezar o 'Pai-Nosso' meditando aquilo que a oração nos traz como verdade em seu bojo, e podemos aplicá-las (as verdades da oração) ao evento meditado secundariamente. No caso do Santo Terço, usamos como mecanismo de meditação as 'frases-oração' do 'Pai-Nosso' no contexto dos mistérios gozosos, dolorosos, gloriosos... etc. O mesmo se dá com a 'Ave-Maria'. E com o 'Glória ao Pai', e com qualquer outra oração, que pode ser meditada em si, ou ser usada como mecanismo vocal de meditação de uma reflexão secundária.

Nunca deixe de meditar enquanto for principiante nas orações e em suas relações com Deus. É uma excelente introdução a um dos principais métodos de oração cristã.

Através da meditação, podemos chegar à contemplação – nível alto de oração na qual Deus mesmo ora em nós de modo ativo, e nós de modo passivo (exatamente o inverso da meditação, no qual o agente somos nós, e o objeto é Deus).

Por enquanto, é isso, amigo.

Qualquer dúvida, procure-me ou procure uma pessoa mais capacitada para lidar com essas questões – coisa que não creio ser difícil, haja vista minha miséria e fraqueza em questões do espírito. Um abraço, e conte com minhas orações.

segunda-feira, 16 de fevereiro de 2009

Voltaremos à atividade!

Depois de algum tempo em missões materiais com frutos abundantes (Deo Gratias!) estamos a retomar a propagação da fé católica também por meios virtuais.

Novas postagens surgirão com o tempo.

segunda-feira, 17 de novembro de 2008

Coetus Internationalis Fidelium

Congresso Anual


Local: Fazenda Sant' Ana do Turvo, distrito de Amparo, próximo à Volta Redonda, RJ.

Tema: A crise na Igreja e o momento atual.

Dias: 08, 09, 10 e 11 de Dezembro


Conferencistas:

Revmo. Mons. Mark Pivarunas(USA) ;
Sr. Araí Daniele (Portugal);
Dr. Homero Johas (Brasil);

Organização das reuniões de dezembro.

Estamos organizando o encontro de dezembro, por isso colocamos aqui algumas coisas que serão necessárias para a ocasião. Todavia, ao perceberem que faltou alguma coisa, nos comuniquem. Necessitamos urgentemente que haja confirmação de presença por e-mail até o dia 30 de novembro.

Em breve estaremos disponibilizando as fotos dos pontos de ônibus e táxi (locais principais) e da Fazenda para fornecer maior segurança para os que vierem ,ou seja, para que não se percam.


Ø Ver o horário exato da saída do Sr. Bispo da Argentina e chegada ao Brasil.

Ø Ver a questão do jejum eucarístico.

Ø Ligar para a VAB para perguntar os horários dos ônibus.

Ø Providenciar café da tarde no dia 8.

Ø Iniciar as atividades do dia 9 um pouco mais tarde que nos outros dias.

Ø Alugar um carro para trazer as pessoas do Rio.

Ø Dividir os horários de orações, missas e conferências.

Ø Providenciar o sineiro, acólito* e turiferário.

Ø Ver a questão das hóstias e do vinho.

Ø Realizar a cerimônia de crisma no dia 8.

Ø Providenciar: galhetas, lavabo, patena de comunhão, toalha do altar (ver que tipo de tecido), toalha da credencia, flores do altar, tipo e quantidade de velas para o altar e para a procissão, sineta (campainha da Santa Missa), Missal, (ver se o bispo trará corporal e sanguíneo, etc.), algodão para a cerimônia de crisma.

Ø Solicitar a benção do Sr. Bispo para os objetos sacros.

Ø Aluguel do transporte do altar.

Ø Providenciar:

1. Um tapete para o altar (se possível vermelho);
2. Dois genuflexórios para a comunhão e um para o bispo;
3. Um trono para o Bispo;
4. Véu para as mulheres;
5. Sacras do altar;

Ø Orientar as pessoas sobre a forma de beijar o anel do Sr. Bispo e sobre os trajes dignos dos sacramentos;

Ø Organizar um pequeno grupo para cantar durante as missas;

Ø Não esquecer de filmar e fotografar as cerimônias e conferências;

Ø Providenciar roupas de cama e banho para o Bispo e padres: toalhas de rosto e de banho, sabonetes, pastas, escovas, almofadas, lençóis, cobertores, etc.

Ø Ver que tipo de alimentação deverá ser servido (ver se há alguém com problemas de alergia, diabetes, etc.)

Ø Organizar a procissão da Virgem Santíssima;

Ø Providenciar uma lembrança para o Sr. Bispo e padres;

Ø Providenciar santas imagens para espalhar pela casa e árvore de natal com um pequeno presépio;

Ø Verificar o horário da partida do Bispo e padres no dia 11.


"O pastor Eterno e Bispo das nossas almas (cf 1 Pd 2, 25), para perpetuar a obra salutar da Redenção, decidiu constituir a Santa Igreja, onde, como na casa do Deus vivo, todos os fiéis estivessem unidos pelo vínculo da mesma Fé e da Caridade." [cf. Constituição Pastor Aeternus, FC 7.002]


Interessados, entrem em contato deixando aqui mensagens!

domingo, 21 de setembro de 2008

QUANDO OS LEIGOS SUSTENTAM A IGREJA

Por Cardeal Newman


(Trecho de artigo publicado em The Rambler, julho de 1859, citado por Hugues Keraly, Présence d’Arius, Paris, D. M. M., 1981)


É bastante notável que, embora falando historicamente o século IV seja a época dos doutores, aquele que foi iluminado por santos como Atanásio, Hilário, os dois Gregórios, Basílio, Crisóstomo, Ambrósio, Jerônimo e Agostinho (tendo sido bispos todos esses santos, com uma única exceção), contudo, nessa mesma época, tenham sido os leigos que mantiveram a tradição divina confiada à Igreja.


Efetivamente, isso exige alguma explicação: dizendo isso, não nego evidentemente que, em sua expressiva maioria, os bispos tenham sido ortodoxos, no mais íntimo de sua fé; tampouco nego que tenha havido membros do clero para assistir os leigos e servir-lhes de guia e fonte de inspiração; nem desconheço que os leigos tenham recebido certamente a fé, em primeira mão, dos bispos e do clero; não nego que haja entre os leigos alguns ignorantes e que outros se tenham corrompido por pregadores arianos, os quais conseguiram apoderar-se das sedes episcopais e ordenar sacerdotes heréticos. No entanto, persisto em dizer que, nessa época de imensa confusão, o dogma divinamente revelado da divindade de Nosso Senhor foi proclamado, afirmado e mantido e, falando humanamente, preservado muito mais pela Ecclesia docta do que pela Ecclesia docens; que o corpo dos bispos foi infiel à sua missão, ao passo que os leigos permaneceram fiéis ao seu batismo; que ora o Papa, ora uma sede patriarcal, metropolitana ou outras sedes importantes, ora concílios gerais disseram o que jamais deveriam ter dito, ou realizaram atos que obscureceram ou puseram em perigo a verdade revelada. Entrementes, foi o povo cristão que, sob a orientação da Providência, constituiu a força cristã de Atanásio, de Eusébio, de Verceil e de outros confessores solitários da fé, que sem esse povo não teriam resistido [...]. Digo que houve suspensão temporária das funções da Ecclesia docens. O conjunto dos bispos foi infiel ao dever de confessar sua fé.


Vejo, pois, na história do arianismo, um rematado exemplo de situação da Igreja durante a qual, se quisermos discernir onde está a Tradição Apostólica, é aos fiéis que devemos recorrer.


Leão XIII – Sapientiae Christianae, 10 de Janeiro de 1890.

(Excertos)

21.Nesse enorme e geral delírio de opiniões que vai grassando, o cuidado de proteger a verdade e extirpar o erro dos entendimentos é missão da Igreja e missão de todo o tempo e de todo o empenho, como que à sua tutela foram confiadas a honra de Deus e a salvação dos homens. Mas quando a necessidade é tanta, já não são somente os prelados que hão de velar pela integridade da Fé, uma vez que: “cada um tem obrigação de propalar a todos a sua fé, seja para instruir e animar os outros fiéis, seja para reprimir a audácia dos que não são”(Summa II II, q3, a2, ad 2).

23.A primeira aplicação desse dever é professar, clara e constantemente a Doutrina Católica e propagá-la o mais que puder. Com efeito, como já se disse muitas vezes e com muita verdade: o que mais prejudica a Doutrina de Cristo é não ser conhecida. Ela só, bem compreendida, basta para triunfar do erro, nem há ai alma simples e livre de preconceitos que a razão não mova a abraçá-la. Ora a Fé , ainda que como virtude é um dom precioso da Divina Graça e Bondade; todavia, quanto ao objeto sobre que versa, não pode por via ordinária ser conhecida senão pela pregação: “Como crerão naquele que não ouviram? E como ouvirão sem pregador? ... a fé é pelo ouvido, e o ouvido pela palavra de Cristo” (Rm 10, 14-17). Por conseguinte, sendo necessária a fé para a salvação, segue-se que é inteiramente indispensável a pregação da palavra de Cristo. É certo que esse encargo de pregar ou de ensinar pertence por direito divino aos doutores, isto é, aos bispos que o Espírito Santo constituiu para governar a Igreja de Deus (At 20, 28) e de um modo especial ao pontífice romano, vigário de Cristo, preposto com poder supremo à Igreja Universal como mestre de quanto se há de crer e praticar. Mas não pense ninguém que ficou por isso proibido aos particulares cooperar com alguma diligencia nesse ministério, principalmente aos homens a quem Deus concedeu dotes de inteligência juntos com o desejo de serem úteis ao próximo. Esses, em caso de necessidade, podem muito bem, não já afetar a missão de doutores, mas comunicar aos outros o que eles mesmos aprenderam, e ser em certo modo o eco dos mestres. Até mesmo essa cooperação dos particulares pareceu aos Padres do Concilio Vaticano I tão oportuna e frutuosa, que não hesitaram em reclama-la nos termos seguintes: “A todos os fiéis cristãos, principalmente àqueles que tem superioridade e obrigação de ensino, suplicamos pelas entranhas de Jesus Cristo, e em virtude da autoridade deste mesmo Senhor e Salvador nosso lhes ordenamos, que apliquem todo o seu zelo e trabalho em desviar esses erros e elimina-los da luta da Igreja, e difundir a luz puríssima da nossa Fé” (Const. Dei Fillius ad fin).

25. Desse modo nos deveres que nos ligam a Deus e com a Igreja está em primeiro lugar o zelo com que cada qual deve trabalhar segundo as suas forças em propagar a Doutrina Cristã e refutar os erros.

sábado, 6 de setembro de 2008

Quem é Joseph Ratzinger? Que podemos esperar dele?


Perguntas e Respostas

Por Mons. Donald J. Sanborn



1- Quem é Joseph Ratzinger?


Nasceu em 1927 na Baviera, e foi ordenado sacerdote em 1952. Durante o Vaticano II, foi o teólogo pessoal do Cardeal Frings. Mais tarde ensinou em Tübingen, a universidade ultra-esquerdista do sul da Alemanha. Paulo VI o fez Arcebispo de Munich em 1970. João Paulo II o colocou a frente da Congregação para a Doutrina da Fé, posto em que permaneceu até tornar-se Bento XVI.



2- De que lado estava no Concílio?


Ratzinger era a mão direita do já mais velho Karl Rahner, que junto com Hans Kung, se uniram para controlar o Concílio. O fizeram mediante a união dos que se chamaram Coalizão Européia, um grupo muito bem organizado de Bispos do norte da Europa que tomaram conta do Concílio. Ratzinger, por tanto, junto com Rahner e Kung, representava a ala da extrema esquerda do Concílio (os progressistas).



3- Então, é apropriado dizer que Ratzinger é conservador?


Não. Do ponto de vista da Fé Católica, Ratzinger nem se quer é católico. É um herege público igual a Wojtyla. Pode ser tido por conservador na medida em que não está a favor do sacerdócio feminino, a contracepção, o aborto, a homosexualidade, etc. Também disse alguma coisa em favor da liturgia tradicional. Mas comparando-o com Papas católicos, tais como Pio IX, Leão XII, São Pio X, Bento XV, Pio XI ou Pio XII, nem sequer pode ser tido por católico.



4- Por que você disse que Ratzinger nem mesmo é católico?


Porque ele é um maníaco ecumênico, mais ecumênico, penso eu, que Wojtyla, se isso é possível. O ecumenismo é contrário a nossa santa Fé. Foi condenado claramente pelo papa Pio XI em 1928, como o equivalente do ‘’abandono da religião revelada por Deus.’’ O ecumenismo é a alma e o coração do Vaticano II. Todos as mudanças litúrgicas, doutrinais e disciplinares do Vaticano II se fizeram em nome do ecumenismo. Em seu primeiro discurso, Ratzinger asegurou aos cardeais que ele vai continuar com as reformas do Vaticano II e com a tentativa de acercar as outras religiões pela via do ecumenismo. Devemos entender que o ecumenismo é o principal problema. O Ecumenismo e o Catolicismo não podem ir juntos, se unir. Se Ratzinger é ecumênico – e ele o é – então não serve para nada (Mt 5,13) e não é papa.


Ratzinger condena o Espírito do Concílio? Angelus, 30 de outubro de 2005:[...] exorto-vos a rezar juntamente comigo à Virgem Maria, para que ajude todos os crentes em Cristo a manter sempre vivo o espírito do Concílio Vaticano II.


55- Qual pensa que será seu programa?


Creio que vai dar um impulso vigoroso ao programa ecumênico. Seu ‘’reinado’’ vai ser curto, e por esta razão penso que ele vai se mover rapidamente até o que ele chamou de ‘’reconciliação na diversidade’’, uma expressão que tomou de Cullman, um ministro protestante. Isto significa que vai se esforçar por juntar todas as religiões em alguma grande organização na qual cada uma guarde sua identidade. Irá começar com os cismáticos e protestantes. Não me vai surpreender que faça alguns audazes movimentos nesta direção. Durante a era Wojtyla, Ratzinger elaborou toda a teologia necessária para isto.



6- A qual teologia você se refere?


A ‘’Nova Eclesiologia’’.



7- O que é a nova eclesiologia?


É o ensinamento concernente a natureza da Igreja de Cristo. A eclesiologia tradicional é muito simples: a Igreja de Cristo é a Igreja Católica Apostólica Romana, que é o único meio de salvação no mundo. Qualquer religião fora da Igreja Católica Apostólica Romana, seja a Grega Ortodoxa, seja a Protestante, Judia, etc., apesar de qualquer verdade que possam possuir, ou ainda sacramentos válidos, são falsas religiões e não são meios de salvação.


Obviamente tal eclesiologia é incompatível com o ecumenismo. Não obstante, já desde 1930 os Modernistas elaborarão uma eclesiologia ecumenista segundo a qual se podem ver alguns valores nas religiões não Católicas. Esta nova eclesiologia se incorporou aos ensinamentos do Vaticano II, e é o veículo do ecumenismo.


O que é a nova eclesiologia? Eis aqui um resumo:

· A Igreja de Cristo e a Igreja Católica Apostólica Romana não são uma mesma coisa, já que as igrejas não Católicas pertencem a Igreja de Cristo, mas não a Igreja Católica.

· A Igreja de Cristo ‘’subsiste na’’ Igreja Católica Apostólica Romana, por quanto como Igreja Católica tem ela a ‘’plenitude’’ de todos os elementos da Igreja de Cristo.

· A Igreja de Cristo, apesar de não subsistir nas igrejas acatólicas por faltar-lhes a estas a ‘’plenitude’’, todavia se encontra de uma maneira imperfeita nessas igrejas não católicas.

· As igrejas acatólicas são, todavia, verdadeiras ‘’igrejas particulares’’ que formam, junto com a Igreja Católica Apostólica Romana a única Igreja de Cristo.

· A Igreja Católica Apostólica Romana está em ‘’comunhão parcial’’ com as igrejas acatólicas, na medida em que elas tem elementos da Igreja de Cristo, tais quais como os sacramentos válidos e doutrinas verdadeiras.

· As igrejas acatólicas são ‘’meios de salvação’’ na medida em que preservem elementos genuínos da Igreja de Cristo.

· Nessas igrejas acatólicas que têm uma Eucaristia válida (por exemplo a Ortodoxa Grega), a Igreja una, santa, católica e apostólica se faz presente cada vez que elas oferecem uma Eucaristia válida.

· As igrejas não Católicas que não estão sujeitas ao Romano Pontífice (que são todas elas) estão feridas por esta falta de sujeição. Contudo, apesar de seu repúdio a supremacia Romana, seguem sendo ‘’Igrejas particulares’’, isto é, igrejas-membro da grande Igreja de Cristo.


8- Que significa tudo isso?

Isto significa o abandono do ensinamento tradicional da Igreja Católica concernente a natureza da igreja de Cristo. Contradiz o ensinamento tradicional, e por tanto, dizemos que o Vaticano II é herético e que Ratzinger é herege por haver promulgado este ensinamento. Por esta razão digo que Ratzinger nem se quer é católico.



Homilia, 29 de junho de 2007: Caros irmãos e irmãs, na profissão de fé de Pedro, podemos sentir-nos e ser todos um só, não obstante as divisões que, ao longo dos séculos, dilaceraram a unidade da Igreja, com consequências que perduram até aos dias de hoje.


9- Que outra heresia Ratzinger abraça?

É evolucionista no concernente a verdade e a Igreja. Em um discurso dado em uma igreja protestante de Roma, em 1993, disse o seguinte: ‘’Consequentemente a meta, a alma de todo esforço ecumênico é alcançar a unidade real da Igreja que implica uma multidão de formas que ainda não podemos definir.’’ Em outra ocasião disse: ‘’por enquanto não me atrevo a sugerir nenhuma realização concreta possível e imaginável desta igreja futura.’’Agora, eu pergunto, o que é mais definido que a doutrina, culto e disciplina da Igreja Católica Romana? Você compreende o quão alarmante é ouvir ele falando tal coisa, que não tem idéia de como vai ser a Igreja no futuro, devido ao ecumenismo? Ratzinger é darwiniano evolucionista no que diz respeito a religião Católica.


10- Expressa Ratzinger esta idéia evolucionista em outro lugar?


Sim, em seu livro Muitas Religiões – Uma Aliança, (1998) Ratzinger faz algumas afirmações muito alarmantes:

· ‘’O que precisamos, de todas as formas, é respeito por todas as crenças de outros e disposição para olhar a verdade no que nos choca como estranho ou raro; tal verdade nos concerne e pode corrigir-nos e levar-nos adiante ao longo do caminho.’’ (p 110)

· ‘'Aprenderei melhor minha própria verdade se entendendo a outra pessoa e permitir a mim mesmo a ser movido ao longo do caminho para Deus que é sempre mais grande, seguro que eu nunca carreguei toda a verdade sobre Deus em minhas próprias mãos, mas serei sempre um aprendiz, em peregrinação até ela, um caminho que não tem fim.’’ (ibid.)


Agora eu pergunto, como alguém que tem a fé católica pode dizer coisas semelhantes? Não ensina a Igreja Católica toda a verdade em nome de Cristo? Ratzinger não tem a fé. Como pode estar a fé católica ‘’em um caminho que não tem fim’’? Como pode dizer um católico, ‘’nunca tive a verdade total sobre Deus em minhas próprias mãos?’’ Não é este evolucionismo dogmático em sua forma mais pura, tal como foi condenado por São Pio X?


Vejamos o que mais disse Ratzinger:

· ‘’Em uma forma de dizer, a religião contem a preciosa pérola da verdade, mas está sempre escondendo-a, e se encontra em perigo contínuo de perder sua essência. A relgião pode cair enferma, e converter-se em algo destrutivo. Pode e deve levar-nos a verdade, mas também pode apartar aos homens da verdade... Podemos achar relativamente fácil criticar a religião dos outros, mas devemos estar prontos a aceitar críticas de nós mesmos e de nossa própria religião.’’ (Ibid.)

· ‘’Karl Barth [teólogo protestante] distinguia no cristianismo religião e fé...Tinha razão enquanto a que a religião do cristão pode cair na enfermidade e converter-se em superstição: a religião concreta na que se vive a fé deve ser continuamente purificada no fundamento da verdade, essa verdade que se mostra a si mesma, por um lado, em fé e, por outro lado, se revela a si mesma novamente através do diálogo, permitindo-nos conhecer seu mistério e infinitude.’’ (p. 111)


A partir destas afirmações, está claro que Ratzinger tem a idéia modernista de que a fé é a experiência religiosa de cada homem, que esta se distingue de sua religião, por exemplo, o conjunto de dogmas, observâncias litúrgicas e disciplinas que sustenta e pratica. Disse que a Religião pode corromper-se. Portanto deve estar sujeita a uma constante purificação que se alcança com a fé – que não é religião – e diálogo, por exemplo, com outras religiões.


Esta distinção entre religião e fé é tipicamente modernista. Sujeita a ‘’religião’’ a uma perpétua mudança. Em outras palavras, como disse mais acima, não temos idéia de como será a igreja futura.


O ensinamento Católico, em contraste é que o objeto de nossa fé são os dogmas infalíveis ensinados pela Igreja Católica Romana, a que é absolutamente imutável e irreformável. A liturgia e as disciplinas da Igreja conforme a estes dogmas imutáveis são portanto também imutáveis na sua essência.


Escutemos o que Ratzinger diz sobre a atividade missionária da Igreja Católica:


· ‘’No futuro a atividade missionária não poderá proceder como se fosse um caso de comunicação com alguém que não tem nenhum conhecimento de um Deus que ele tem que acreditar.’’ (p. 112)

· ‘’A proclamação do Evangelho tem que ser necessariamente um processo de diálogo. Nós não estamos contando algo a outra pessoa que seja totalmente desconhecido; em vez disto, estamos abrindo fenda escondida de algo com o qual já está em contato em sua própria religião.’’ (Ibid.)

· ‘’O diálogo entre religiões deve converter-se mais e mais um escutar ao Logos, que está apontando para nós,em meio de nossa separação e nossas afirmações contraditórias, a unidade que já compartilhamos.’’ (Ibid.)


Estas afirmações de Ratzinger destroem por completo o ensinamento da Igreja católica, no sentido de que Ela é a única Igreja verdadeira fora da qual não há salvação. A Igreja Católica nunca levou a cabo sua atividade missionária desta forma. Nunca ‘’dialogou’’ com as falsas religiões. Ao passo que sempre foi cuidadosa em não insultar as pessoas, e até aceitou alguns de seus costumes não incompatíveis com o Catolicismo, nunca reconheceu valor nas falsas religiões. Acaso São Pedro ou os papas dos primeiros tempos ‘’dialogaram’’ com os romanos idólatras para encontrar a ‘’unidade que já compartilham’’?


A Igreja de Ratzinger é desconhecida para os católicos e para a história do catolicismo. Ratzinger nos está pedindo que abandonemos a eterna e imutável Igreja de Cristo para aderirmos a uma desconhecida Igreja do futuro.



Ratzinger distribuindo a Eucaristia para um protestante, Irmão Roger da Comunidade Taizé. Ratzinger diz sobre Roger:’’ Frère Schutz está nas mãos da bondade eterna, do amor eterno, chegou à alegria eterna.’’(Zenit17-08-2005) E ainda : ‘’Seu testemunho cristão de fé e de diálogo ecumênico foi um ensinamento precioso para gerações inteiras de jovens’’ (Zenit 16-08-2006)


11- Como pensa que Ratzinger vai tratar os tradicionalistas?


Penso que vai ignorar por completo os sedevacantistas. Quiçá excomungue a um de nós. Creio que vá dar algo ao movimento do Indulto e a Fraternidade de São Pedro. Eles aceitam o Vaticano II e não tem problema com a nova eclesiologia. De modo que Ratzinger não vai a ter problemas, creio, em garantir-lhes melhor status do que Wojtyla deu-lhes. Wojtyla odiava o movimento tradicionalista. Ratzinger é diferente. Em matéria de gostos, é mais conservador que Wojtyla, e vai preservar a conservação da Missa Latina Tradicional, algo assim como uma peça de museu. Enquanto se empenhe com a ‘’reconciliada diversidade’’ as pessoas do Indulto e da Fraternidade de São Pedro vai a ser favorecida por Ratzinger.


Dessa forma, penso que Ratzinger vai apelar a ala esquerda da Fraternidade de São Pio X para regularizar-la, isto é, a colocar sob o controle do Vaticano. Vai garantir-lhes consideráveis concessões. Se ele obtiver êxito, vai dividir este grupo, como já estão divididos entre esquerda e direita.


De toda forma, penso que, desgraçadamente, o que sobrar da Fraternidade São Pio X vai seguir alegremente na mesma velha linha de ‘’estar com o Santo Padre’’ – uma evidente mentira – e ao mesmo tempo continuar com sua pratica de desafio por medo da desobediência organizada e universal contra ele. Ou seja que não há muita esperança ali.


12- Então, qual será nossa atitude a respeito de Ratzinger?


A mesma atitude que tivemos com Wojtyla: que não é católico porque é herege, e que está impondo aos católicos uma falsa religião. Por ambas razões, não pode ser um papa católico. Seguiremos como sempre, rogando a Deus que algum dia nos de um verdadeiro papa católico. Somente mediante um verdadeiro papa católico nossa Igreja Católica e nossas vidas católicas poderão voltar a normalidade.


A Sé está vacante.



RESUMO:


· Ratzinger é herege principalmente por sua posição a respeito das coisas condenadas pela Igreja: o ecumenismo e a nova eclesiologia.


· Ratzinger é evolucionista no que diz respeito a natureza da Igreja, o qual demonstra uma atitude herética contra a Igreja, que é um objeto de nossa fé.


· Ratzinger disse que os católicos não tem toda a verdade sobre Deus, e devem dialogar com acatólicos para acha-la.


· Precisamos perseverar em nossa resistência ao modernismo sustentando que Ratzinger é um falso papa e persistindo nos ensinamentos que foram legados de nossos antepassados como Fé Católica.



( MHT Newsletter, Maio 2005; Most Rev. Donald J. Sanborn - Reitor, Most Holy Trinity Seminary - bpsanborn2002@yahoo.com )


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Tradução feita de: 'Don't Get Your Hopes Up about Ratzinger: Q & A' - http://www.traditionalmass.org/articles/article.php?id=63&catname=15 ; também em espanhol: '¿QUIÉN ES JOSEPH RATZINGER?¿QUÉ PODEMOS ESPERAR DE ÉL?' - http://ar.geocities.com/verdadunica01/ratzinger.html


segunda-feira, 1 de setembro de 2008

Furacões na Cidade... de Deus - parte III

Continuando o capítulo 11 do livro "Os Jesuítas", do sacerdote exorcista Malachi Martin:

"Em outro nível, enquanto isso, acontecia em todos os seminários, colégios e universidades católicas uma depuração mais sutil mas ainda evidente. Homens mais velhos, de idéias tradicionais, foram aposentados prematuramente ou simplesmente se afastaram desgostosos. Eles só eram substituídos por partidários fervorosos da "Renovação" (a palavra era sempre escrita com a inicial maiúscula naquela primeira fase). Os seminaristas eram expulsos se achassem a novidade abominável.

Para acentuar as cores de crepúsculo daquela cena varrida pela tempestade, veio uma segunda tempestade, a onda de euforia. Surgiu, entre os que restaram, a magnífica, embora nem sempre convincente, idéia de que o futuro do catolicismo, tão abruptamente reduzido em sua prática e no número de adeptos, era agora um tanto mais brilhante do que nunca. O que parecia um monte de destroços era, na realidade, uma imensa renovação pentecostal em marcha; a verdadeira Igreja de Cristo estava para surgir em toda a sua beleza e verdade.

Aquelas esperanças - todas as esperanças - se concentravam, agora, na comunidade, "O Povo de Deus" estava, agora, distinto e separado da antiga e inflexível hierarquia do papa, bispos, padres e freiras na rígida solidificação da disciplina romana. Mais do que isso, dizia-se agora que aquele Povo de Deus - todo ele, bem como cada pequeno grupo de fiéis - era a verdadeira Igreja, a verdadeira fonte daquilo em que se deve acreditar. Em questões de fé, moral, dogma e prática religiosa, Roma, do atual estado da Geórgia, tinha a mesma autoridade que a Roma dos papas. A autoridade central estava desaparecendo como verdade católica prática.

Se alguém olhasse à sua volta, na primeira fase da tempestade, para se orientar, nenhuma pessoa isolada e nenhum grupo isolado pareciam responsáveis pelo surgimento daquela eufórica convicção. Mas ela avançava como um incêndio descontrolado pelas igrejas, afrouxando os laços entre os leigos e o clero, entre freiras e superiores eclesiásticos, entre padres e bispos, entre bispos e papas.

Conseqüência imediata foi a insistente exigência de que a democratização substituísse a autoridade central e pusesse uma nova e muito necessária ordem por toda a Igreja. Os padres se organizaram em ligas, associações, senados e sindicatos, em bases nacionais e regionais. As freiras fizeram o mesmo. Os leigos, homens e mulheres em separado, também. Todos emitiam declarações bem delineadas de seus direitos e exigências. Todos exigiam que métodos democráticos fossem usados não apenas no governo da Igreja Romana, mas até mesmo para "decidir" no que se deveria acreditar. Toda uma gama de carreiras inteiramente novas abriu-se para clérigos que não tinham interesse em ouvir confissões, batizar bebês, procurar pecadores e rezar missa.

Com uma velocidade surpreendente, a cena contemporânea assumiu um aspecto ridículo, cômico, que parecia pedir uma exploração em filmes do tipo "pastelão" e por cômicos de casas noturnas. Padres com rosários simbolizando paz e amor faziam pressão sobre os bispos, dedilhando violões e cantando "Sonhar o Sonho Impossível". Freiras usando maquilagem, jóias e roupas da moda sorviam coquetéis em suas "convenções" anuais em salas de estar de hotéis. Bispos estampavam em suas cartas pastorais a foice e o martelo em alto relevo, em vez dos símbolos normais da Cruz e da Igreja. Teólogos davam saltos mortais metafóricos sobre a cúpula da Basílica de São Pedro, em suas tentativas de saltarem para longe de toda e qualquer regra romana de moralidade e fé. Um arcebispo americano subiu serenamente ao púlpito para pedir à sua congregação que parabenizasse e rezasse por seu bispo auxiliar que no dia seguinte ia deixar o episcopado para se casar. Um bispo americano, que mais tarde se tornou cardeal, organizava "comitês de bolinhos" em todas as suas paróquias para serem usados como pão da comunhão do novo rito que substitui a Missa Romana. Um arcebispo mexicano começava regularmente seus sermões dominicais com um punho cerrado erguido ema saudação e com o grito desafiador da Internacional Comunista, "Soy marxista", nos lábios.

O público em geral não deixou de perceber a atmosfera circense. Pela primeira vez na história da indústria cinematográfica e de televisão americana, o padre católico, a freira católica, o seminarista católico, os rituais católicos tornaram-se presa fácil para risadas gratuitas e dramas horripilantes. Como o pastor anglicano na Inglaterra de Noël Coward e os rebe judeu na Europa das décadas de 1920 e 1930, aqueles personagens católicos romanos, antes intocáveis - freira, padre, bispo, papa, seminarista - entraram para o cartaz mundial de matéria de entretenimento.

E a euforia continuava. De algum modo, tudo aquilo, também, era interpretado como parte da promessa de um futuro dourado para o catolicismo.

A substância, tanto da euforia como da confusão nunca foi retratada mais literalmente do que por dois artistas romanos, Ettore de Concillis - sem dúvida um nome com um toque de ironia histórica - e Rosso Falciano. Nos últimos dias do Concílio Vaticano II, contratados para decorar as paredes de uma nova igreja em Roma dedicada a São Francisco de Assis, Conciliis e Falciano pintaram uma rodopiante montagem de rostos de perfil. Foi como se a brafunda disparatada de retratos tivesse sido colocada naqueles mesmos ventos fortes, àquela altura adquirindo rapidamente a plena força de um furacão. O papa João XXIII, o ditador comunista Fidel Castro, o ateísta professo Bertrand Russell, o líder do Partido Comunista Italiano Palmiro Togliatti, a atriz excomungada Sophia Loren, o presidente Alexei Kosygin do Conselho de Ministros soviético, o prefeito esquerdista Giorgio La Pira, de Florença, o ditador comunista Mao Tsé-tung da China, e sabe-se lá por que razão, Jaqueline Bouvier Kennedy.

Nem Conciliis nem Falciano eram comunistas. Mas estavam convencidos de que, com o Vaticano II, tudo estava mudado. Ninguém estava errado: todos estavam certos. Tal como a Igreja, São Francisco, o poverello de Assis, podia abraçar a todos. Porque agora o impossível aconteceu. A Igreja Católica tornou-se humana; e, portanto, nada que fosse humano podia ser visto como alheio a ela. Renovação era o caminho, a verdade, e a vida do catolicismo romano. E sua mensagem era levada nas asas de seu próprio delírio: se a Igreja hierárquica pudesse mudar, pudesse adaptar à humanidade da Renovação, a Era de Ouro da Cristandade iria nascer.

Realidade, disse certa vez Jean-Paul Sartre, é um balde de água fria. Ela o deixa sem respiração, incapaz de falar. Foram tão repentinos e tão esmagadores aqueles dois furações, que expressões articuladas de surpresa ou choque pareciam impossíveis para a grande maioria de homens e mulhres - tanto testemunhas como participantes. A mudança foi uma mudança de verdade. A euforia era euforia de verdade. Ninguém discutia a autenticidade de nenhuma das duas. Sua realidade ultrapassava qualquer ficção ou pretensão, em termos de estranheza, incongruência ou espírito inventivo. Mas embora houvessem indivíduos e grupos de pessoas aqui e ali que gritassem em equivalente a "Esperem aí! O que é que está acontecendo? Por que estamos mudando tudo?", era como se ninguém pudesse ouvi-los por causa do barulho da tempestado dupla que assolava o catolicismo."

terça-feira, 19 de agosto de 2008

Furacões na Cidade... de Deus - parte II

Continuando o capítulo 11 do livro Os Jesuítas, de Malachi Martin. Colocarei, futuramente, algumas imagens modernas sobre os fatos análogos aos aqui neste texto referidos, para demonstrar que longe de tais afirmações serem problemáticas ou historicamente pontuais, tornaram-se uma perigosa permanência:

"Quando a violência dos ventos passou e o novo dia amanheceu, as pessoas olharam à sua volta e descobriram que, de repente, o latim universal da missa havia desaparecido. Ainda mais estranho: a própria missa romana desaparecera. Em seu lugar havia um novo rito que se parecia com a missa antiqüíssima como [na mesma proporção em que] um barraco se parece com uma mansão palaciana. O novo rito era dito numa babel de línguas, cada qual dizendo coisas diferentes. Coisas que pareciam anticatólicas. Que apenas Deus, o Pai, era Deus, por exemplo; e que o novo rito era "uma ceia comunitária", não uma re-apresentação da morte de Cristo na Cruz; e que os padres não eram mais sacerdotes de um sacrifício, mas ministros à mesa servindo a convidados numa ceia comum de amizade.

É verdade que o papa que presidia tais enormidades de aberração doutrinária, Paulo VI, tentou recuar um pouco em direção à primeira e única Missa Romana. Mas era tarde demais. O caráter anticatólico daquele novo rito persistiu.

A devastação daqueles furações não tinha parado ali. Igrejas e capelas, conventos e mosteiros tinham sido despojados das suas imagens. Altares de sacrifício tinham sido removidos, ou pelo menos, abandonados, e em vez disso tinham diso colocadas em frente ao público mesas de quatro pés, como se preparadas para uma ceia agradável. Sacrários foram retirados, juntamente com a crença fixa sobre o sacrário de Cristo como a essência da Missa. Paramentos foram modificados ou postos inteiramente de lado. Balaustradas para a comunhão foram removidas [o autor se refere aos genuflexórios para a recepção do Corpo de Cristo de joelhos e na boca - nota nossa]. Os fiéis foram instruídos a não mais se ajoelharem quando recebessem a Santa Comunhão, mas ficarem de pé como homens e mulheres livres, e a receberam o Pão da Comunhão e o Cálice do Vinho da Comunhão em suas mãos democráticas. Em muitas igrejas, membros da Congregação eram imediatamente expulsos por "perturbação pública da adoração" se tivessem a ousadia de genuflectir ou, ainda pior, ajoelhar-se, para a Santa Comunhão do novo rito. A polícia era chamada para expulsar os infratores mais graves, aqueles que se recusavam a 'cooperar' e se recusavam a sair.

Fora das igrejas e das capelas, missais romanos, cartões de comunicação de missas fúnebres, livros de orações, crucifixos, as vestes dos altares, paramentos da missa, balaustradas para a comunhão, até púlpitos, imagens e genuflexórios, bem como as estações da Via Sacra eram atirados às fogueiras e depósitos de lixo das cidades, ou vendidos em leilões públicos onde decoradores de interiores os arrematavam a preços irrisórios e lançavam um "estilo eclesiástico" na decoração de apartamentos e de casas elegantes dos subúrbios. Um altar de carvalho esculpido dava uma "penteadeira" tão original...!

A reação a isso tudo não foi apenas imediata; foi turbulenta e constante. Mas não pense, por um minuto sequer, que foi uma reação de horror, de inquietação, de insistência para que se acabasse com a barbaridade que as coisas sacras e sacrossantas fossem restauradas. Muito pelo contrário.

O comparecimento à missa diminuiu imediatamente, e em dez anos havia caído 30% nos Estados Unidos, 60% na França e na Holanda, 50% na Itália, 20% na Inglaterra e no País de Gales. Outros dez anos, e 85% de todos os católicos da França, Espanha, Itália e Holanda nunca foram à missa. A população dos seminários teve queda vertical. Na Holanda, 2000 padres e 5000 irmãos e freiras religiosas abandonaram os seus ministérios. Existe, hoje, 1986, em média um novo padre ordenado por ano naquele país, onde antes havia uma média de dez. Quedas semelhantes foram registradas em outros países. Nos doze anos de 1965 a 1977, cerca de doze a quatorze mil sacerdotes no mundo inteiro solicitaram dispensa dos seus deveres, ou simplesmente foram embora. Sessenta mil freiras deixaram seus conventos entre 1966 a 1983. A Igreja Católica nunca sofrera perdas assim tão devastadoras num espaço de tempo tão curto.

Muitas freiras professoras simplesmente se desfizeram de seus hábitos religiosos, compraram logo trajes leigos, cosméticos e jóias e deram adeus aos bispos locais que até então tinham sido seus superiores, declararam-se constituídas como educadoras americanas comuns, decentes e íntegras, e seguiram suas carreiras. O número de confissões, comunhões e crismas diminuiu, no mundo inteiro a cada ano, de uma média de 60% de católicos praticantes em 1965 para um número situado nalgum ponto entre 25% e 30% em 1983. As conversões ao catolicismo diminuíram dois terços. (idem à anterior)

Aqueles que ficaram - clérigos e leigos - não estavam satisfeitos com a tentativa de abolição da Missa Romana tradicional, com as alterações gerais do ritual e da adoração católica, e com a nova liberdade de lançar dúvidas sobre todos os dogmas. Aquilo não era o bastante. Elevou-se um clamor em favor do uso de anticoncepcionais, da legalização das relações homossexuais, de tornar o aborto opcional, da atividade sexual pré-marital sob certas condições, do divórcio e do novo casamento dentro da Igreja, de um clero casado , da ordenação de mulheres, de uma rápida união improvisada com as igrejas protestantes, da revolução comunista como meio não apenas de resolver a pobreza endêmica, mas de definir a própria fé.

Passou a ser moda uma nova forma de blasfêmia e sacrilégio. Para os católicos homossexuais, o "discípulo que Jesus amava" adquiriu novo significado. Não tinha aquele discípulo "se apoiado no peito de Jesus" na Última Ceia? Com isso, o amor do homem pelo homem estava consagrado, não? Sacerdotes homossexuais em paramentos cor de alfazema rezavam missa no novo rito para congregações homossexuais.

E se podia ser assim para os homossexuais masculinos, o que dizer do amor da mulher pela mulher? Só as mulheres católica da geração da década de 60 foram suficientemente inteligentes para perceberem que eram vítimas do preconceito sexual eclesiástico; para elas, chegara finalmente o dia do acerto de contas com a antiqüíssima Igreja preconceituosa em matéria de sexo. Surgiu, então, a Igreja feminina - um desses medonhos e populares termos que significava reuniões de mulheres em apartamentos onde Ela (Deus, a Mãe) era adorada e recebia agradecimentos por ter enviado seu Filho (Jesus) pelo poder fertilizante do Espírito Santo (sendo Ela mesma a Mulher "primoprimordial").

Apoiando essa variegada plêiade de mudanças e mudadores e vira-casacas, lá veio marchando toda uma falange de irrequietos "peritos". Teólogos, filósofos, peritos litúrgicos, "facilitadores", "coordenadores sócio-religiosos", ministros leigos (masculinos e femininos), "diretores de práxis" - fossem quais fossem seus títulos divulgados entre a massa, estavam todos procurando duas coisas: convertidos à nova teologia e briga com os maltratados tradicionalistas que estavam em retirada. Um dilúvio de publicações - livros, artigos em revistas, novas revistas, boletins, cartas-circulares, planos, programas e resumos - inundou o mercado católico popular. Os "peritos" questionavam e "reinterpretavam" todo dogma e toda crença, tradicional e universalmente esposados pelos católicos. Tudo, na verdade, e em especial as coisas difíceis da fé católica romana - penitência, castidade, jejum, obediência, submissão - ficou sujeito a uma modificação violenta, da noite para o dia."

segunda-feira, 18 de agosto de 2008

Excertos de uma carta de Sto Atanásio a seus fiéis

São os santos verdadeira fonte de sabedoria segura, e de considerações exemplares para nós. Muitas vezes, as amarguras que sentiram diante dos problemas, tentações e embates são prenúncios daquilo que nós, homens comuns, um dia teremos como impossível evitar em nossas vidas privadas. Não a tôa, são também tradicionalmente conhecidos como "Espelhos de Cristo".

Vejamos o que um desses reflexos do Verbo - Santo Atanásio - nos deu a conhecer, em uma carta dirigida aos fiéis perseguidos pela onda heterodoxa de sua época (o arianismo), que por sua vez continha, para espanto e escândalo de muitos, maior número que os ortodoxos.

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(...)

"Que Deus vos console! O que vos entristece também é que os outros ocuparam as igrejas pela violência, enquanto que vocês estão fora. É um fato, eles têm os locais, mas vocês têm a fé apostólica. Eles podem ocupar nossas igrejas, mas estão fora da verdadeira Fé católica. Pensem bem, o que é mais importante: o local ou a fé? A verdadeira fé, é evidente! Nesta luta, quem é o vencedor, quem é o derrotado? O que mantém o local ou o que guarda a fé? O local, é verdade, é bom, quando ali se prega a fé apostólica; ele é santo se tudo ali respira a santidade.

Vocês são felizes, os que permanecem na Igreja pela fé, vocês que estão firmes nos fundamentos da fé que lhes foi transmitida pela santa Tradição apostólica. E, se por diversas vezes uma inveja odiosa quis derrubá-la, foi em vão. São estes que se desligaram dela na crise atual.

Ninguém jamais prevalecerá sobre a fé, meus irmãos muito amados. E cremos que um dia Deus nos devolverá nossas igrejas.

Assim, portanto, mais eles se esforçam para ocupar os lugares do culto, mais eles se separam da Igreja. Eles pretendem representar a Igreja; na realidade, eles se expulsam a si próprios e se perdem. Os católicos fiéis à Deus na Santa Tradição, mesmo reduzidos a um pequeno grupo, são estes a verdadeira Igreja de Jesus Cristo."

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Mais do que nunca, essas palavras de Santo Atanásio nos fazem refletir sobre a situação que sofrem todos os católicos nos tempos hodiernos. Vendo por incontáveis vezes, em inúmeros lugares, os sinais de apostasia e desprezo da fé, são estimulados a acreditar que o abominável é a regra dentro dos templos de Deus, e o cristianismo que antes era a seiva pulsante da sociedade ocidental, agora é mero apêndice incômodo e urticante, que irrita ao mero contato suave.

É, os tempos mudaram... para pior!

Agora, padres que impedem os fiéis de se ajoelharem diante de Cristo Eucarístico durante a missa, dizendo: "Não, não ajoelhem. Agora não é momento de adorar! É comemoração, refeição e festa! Ceia fraterna!". Coroinhas vestidas com micro-saias, e com vestes cujas costas e parte da cintura estão completamente - eu disse COMPLETAMENTE - visíveis.

Padres que fazem chacota das coisas sacras, brincando com as imagens do Cristo e dos Santos durante as homilias. Pessoas que antes foram ladrões de hóstias consagradas ou maçons, agora são "Ministros" e "ministras" extraordinários da eucaristia, com chaves próprias do sacrário e tudo mais. Bailarinos e raparigas dançando durante a celebração, teatros e representações com nítida inspiração pagã. Proibição de se ajoelhar ou mesmo de receber diretamente nos lábios o Corpo de Cristo, violando os direitos legítimos dos fiéis. "Visitas" do padre à assembléia durante a celebração da missa, omissão de orações e funções dele em favor dos "ministros extraordinários". Consagração coletiva das espécies eucarísticas do pão e vinho, "presidência" ministerial inserindo inapropriadamente orações e reflexões - com alto teor de termos inócuos - durante a missa.

"Show-missas" com padres cantores, freiras dançantes, irmãos consagrados guitarristas, bispos bateristas. Banhos de água benta distribuída através de arremessos de balde. Decorações litúrgicas grotescas: missa-queijo, missa-halloween, missa-dance, missa-rock, missa-balada, missa-caipira, missa-afro, missa-umbandista, missa-hindu, missa-budista, missa-xintoísta, missa-taoísta, missa-artística, missa-mágica, missa-carnaval, missa-campesina, missa-guerrilheira, missa-comunista, missa-teatral, missa-acrobática, missa-circo, missa-semi-nudista, missa-farofeira, missa-dark, missa-gótica, missa-wicca... Altares "exóticos", que vão desde a uma superfície de toco de madeira, uma mesinha de centro numa casa da periferia, o capô de um carro até caixas de papelão, canoas, mostruários infláveis de produtos alcoólicos, sacos de feno, na grama mesmo.

Homilias bombásticas, recheadas de politicagem rasteira, portentosas manifestações de vaidade ignorante, que quando não sabe o que falar, aproveita-se daquelas clássicas fórmulas que nada falam de substancialmente católico, tão etéreas e repisadas que são: "O que importa é o amor!", "Vamos trabalhar por um mundo mais justo e fraterno!", "A comunidade humana deve sempre buscar a paz!", "Nós somos chamados a sermos mais humanos!", "A nossa tolerância para com o próximo é o que importa!", "O mundo precisa de nós, porque nós precisamos do mundo!". Quando não são vazias, erros doutrinais rotineiramente permeiam o começo, meio ou fim. Dizer "Nossa Senhora, como nós, também teve os seus pecados..." já não causa mais escândalo. Defender que Jesus foi um revolucionário social - apenas - também não; e muito menos dizer que toda a humanidade é Filha de Deus e pertence à Igreja!

Terço? Não, esta é a oração das velhotas caducas, incapazes demais para compreender os "tempos modernos" nos quais você reza de verdade enquanto pula a cerca de uma propriedade privada produtiva, sob os auspícios da CNBB e MST, para fazer destruição em favor da Igreja "povo de Deus'! É o terço do oprimido!

Meditação? Só a zen-budista, ou aquelas acompanhadas de atividades físicas orientais, como Tai Chi Chuan ou Yoga. O negócio é esvaziar a cabeça, acender o incenso e ficar no OOoommmm.... OOOOoooommmm.... AAAaauuuummmm... ou talvez mofar ao som duma música "New Age" durante o banho de sais, convenientemente acompanhados de pirâmides ou cristais místicos, numa banheira de madeira feita por um ermitão do Himalaia!

Atos de misericórdia corporal? Mas os agentes do serviço social municipal já têm isso como função deles, e eu já não pago impostos ao governo para serem recolhidos os mendigos e indigentes das ruas. Atos de misericórdia espiritual? Quem sou eu para corrigir os que erram, ou consolar alguém, ou dar bom conselho? Há escolas e psicólogos para isso hoje, entupidos de teorias magníficas que respondem o que você quiser, do jeito que te for mais conveniente - afinal, tudo é relativo!

Devoções? Claro que temos! Afinal, não amamos de paixão a Britney Spears, a dupla Gino e Geno, a Avril Lavigne, bem como o Ronaldinho Gaúcho, o atleta Michael Phelps, as Tartarugas Ninja, os Pokemón, os Smurfs, Power Rangers, Bob Esponja... e até o Dalai Lama e aquela turma incrivelmente "sensata" que defende com unhas e dentes a eficácia do livro "O Segredo"?

Oração? Não é aquela coisa que se ensinam nas aulas de análise sintática, nas apostilas de gramática? Oração não é sinônimo - ordinariamente falando - de uma frase qualquer? Não? Ah, já sei! Oração é aquele negócio dos pentecostais, né? Tipo assim: "Sahndalaybaricandara Sautiandara Belonbaradankara Marisuryanbala"!

Deus do céu, ajude-nos!

Se os tempos da Atanásio eram por eles considerados escandalosos e heréticos, a que epíteto deve esta modernidade corresponder? Satânicos, no mínimo?

Deixando o cinismo de lado, paro por aqui esse verdadeiro desfile de horrores, - e olha que não falei dos seminários, casas de (de)formação, editoras "católicas" e outros lugares onde as peripécias de uma mentalidade imbecil vão deixando seus rastros, emporcalhando o resto de catolicismo de fato que sobrevive no mundo - para lembrar ao mundo que se putrefaz diante do abandono do seu referencial absoluto (que é Deus Nosso Pai, e Jesus Cristo, Nosso Senhor) - mas paro consciente que a Igreja Católica vista por todos nós têm uma considerável responsabilidade nesse processo dessacralizador, e sua laicização favoreceu (e continua a favorecer) a desgraça do antropocentrismo, do modernismo, da heterodoxia e da síntese entre posições irresistivelmente irreconciliáveis.

Que a voz daqueles que são fiéis permaneça gritando a Verdade, antes que, no dia derradeiro, sejamos condenados por nossa omissão vergonhosa que levaria muitos à perdição perpétua. Retomar os postos perdidos para os bastiões da destruição, educar os povos segundo a Sã Doutrina, instigar-lhes vida santa e fidelidade àquilo que é certo e santo, defender a Igreja dos ataques que contra ela se levantam, cristianizar as gentes e imbuí-los de Cristo Jesus, seu Evangelho e da sua Tradição que permanece nos filhos fiéis da Santa Madre Igreja, evangelizar e favorecer de todos os modos e maneiras a Salvação.

É missão árdua, como foi a de Santo Atanásio, defender a integridade do verdadeiro catolicismo.

Mas a Força Suprema que o ajudou, também nos ajudará. Amém.

sábado, 16 de agosto de 2008

Furacões na Cidade... de Deus - parte I

Esse texto magnífico do padre(*) exorcista Malachi Martin traz uma espantosa imagem analógica, referente aos efeitos imediatos do conhecido evento paradigmático da catolicidade no século XX: O Concílio Vaticano II.

Eis o capítulo 11 do livro "Os Jesuítas":

"Coloque-se na posição de um morador de uma cidade que nasceu e cresceu nela, e segue para o trabalho pelo caminho que você tem usado todas as manhãs nos últimos vinte ou trinta anos. Segue por uma longa avenida, depois dobra uma certa esquina e segue por outra avenida que parece que nunca mudou. É isso. Você tem feito isso cinco vezes por semana, quem sabe por quantas semanas, ano após ano. A manhã é como todas as outras manhãs, numa cidade que é exatamente como sempre foi para você ontem, no mês passado, e lá até onde você pode se lembrar.

Por isso, você anda sem praticamente perceber os pontos característicos e todas as coisas que você conhece tão bem e que lhe dizem que você está ali em casa - as calçadas, os cruzamentos de ruas transversais, os sinais de tráfego, árvores, postes, lojas, prédios; o ritmo crescente e decrescente dos carros, ônibus, caminhões; as bancas de jornais, o homem de sempre mendigando em seu posto permanente, a mistura de sons de vozes e de máquinas, os cheiros no ar, até mesmo as usuais variações de tempo; as multidões de homens de negócios, funcionários de escritórios, operários de construções, donas de casa passeando com seus cachorros, mensageiros, turistas, gente fazendo compras, ociosos, vadios.

Tudo é tão esperado, tão previsível, tão tranqüilizador, que não importa o nível do barulho ou movimento irregular das coisas na rua, num certo sentido tudo aquilo garante a sua paz de espírito. Dobrando aquela conhecida esquina, tudo será como sempre foi. É isso que você presume inconscientemente. E com razão, porque certas coisas não mudam. A vida é baseada nessa premissa, em especial os atos insignificantes da vida - como ir a pé para o trabalho.

Mas imagine-se dobrando aquela esquina e sendo subitamente apanhado por trás por uma rajada de vento forte, que parece ter surgido do nada e em sua passagem furiosa despedaça prédios, derrubando alguns deles, atirando pessoas para todo lado, enchendo as calçadas de destroços, arrancando árvores e sinais de trânsito, transformando o céu sobre a sua cabeça com uma cor de crepúsculo, e torcendo a retidão da avenida que permitia uma visão clara, deixando-a parecida com um saca-rolhas, enquanto leva, a contragosto, você e todos e tudo mais em direções estonteantes. É uma mudança tão total, tão abrupta, tão irresistível mesmo, que você já não sabe onde está, para onde está indo ou o que está acontecendo.

Antes que você tenha tempo de perceber não consegue se orientar, outra rajada forte de vento misturando-se à primeira vem gritando de forma incoerente nos seus ouvidos e, para deixá-lo ainda mais em pânico, parece afetar a maioria das pessoas que o cercam com uma espécie de prazer estático, de modo que elas se atiram sem resistir nas violentas lufadas daqueles dois ventos que agora levam todo mundo, inclusive você, para um lugar de onde você não avista nenhum dos seus velhos pontos de referência conhecidos. É tão estranho o efeito da segunda lufada, que mesmo com toda a sua violência e confusão, a coisa mais desorientadora, para você, é a estranha euforia de expectativa e de prazerosa confiança que parece tomar conta da maioria das pessoas que estão sendo atiradas de um lado para o outro enquanto você e elas são empurradas numa viagem desconhecida e não registrada nos mapas.

Um elemento bizarro dessa euforia perturbadora é a maneira pela qual as pessoas começam a conversar, quer entre si, quer com Deus. Parece que, num instante, eles aprenderam uma nova linguagem, estão pensando tudo com conceitos disseminados em massa e pré-fabricados: "Não adore a vertical! Adore na horizontal!" "Tudo o que ajudar o crescimento criador para a integração" "Precisa-se de facilitadores!" "Como está o seu desempenho interpessoal?"

E, como se isso já não desorientasse o bastante, um tom quase maníaco, num volume que quase chega à histeria, penetra de vez em quando na vasta confusão, quando homens e mulheres, alegando o dom de línguas do Espírito Santo, começam a emitir sons sem sentido com rapidez. "Ik bedam dam bula" (Ou a versão brasileira: "Shandalay baricandara Surianda Mare balashuria" - nota nossa) - ou coisa parecida, ouve-se um cardeal católico romano dizer extasiado, garantindo a confusão no mais alto posto. Gloriosa confusão. Eufórica confusão.

Por um instante, você fica tentado a juntar-se a todos e entrar num mundo mágico, fictício. Mas dúvidas absurdas o assaltam, sem que haja respostas consoladoras. Por que não houve aviso? Onde estavam aqueles ventos a momentos antes de atacarem? Estariam escondidos o tempo todo? Lá acima das nuvens, talvez, ou pairando em algum ponto longe das ruas e dos prédios? Ou será que vieram de regiões estranhíssimas e distantes? Por que estão todos tão euforicamente confiantes no futuro, mesmo enquanto estão sendo arrastados nas costas desses ventos? Será que o seu alegre salto à frente para a escuridão está iluminado por anseios e informado pelo seu instinto do divino? De onde vieram seus novos conceitos? E a sua nova língua?

Quaisquer que sejam as respostas, você sabe que não pode voltar atrás para o que era antes. Ninguém terá condições de voltar outra vez para os velhos locais conhecidos. As coisas nunca serão as mesmas em sua cidade natal.

Talvez seja aquela perfeita percepção que subitamente faz com que uma coisa pareça certa e clara em sua mente: de onde quer que tenham vindo, aqueles dois violentos furacões - o que derrubou tudo o que era conhecido, e o outro que meteu aquela estranha euforia na cabeça das pessoas - não eram tempestades normais.

Esse cenário, por fantástico e surrealista que seja, mal é suficiente para dar a idéia da totalidade e da rapidez da mudança e da estranha euforia que arrebatou os católicos romanos - e, surpreendentemente, também os jesuítas - na década de 1960. Porque todo um sistema tradicional de vida e prática religiosa foi aparentemente eliminado com aquela rapidez, sem aviso. Uma mentalidade de séculos foi levada na enxurrada de um furacão de mudança. Em certo sentido, um determinado mundo de pensamento, sentimento e atitude deixou de existir - o antigo mundo católico centrado na autoridade de um pontífice romano; a rígida alternativa entre apenas duas opções do dogma e da moralidade católica; o comparecimento à Missa, a freqüência à confissão e da santa comunhão; o Rosário e os vários atos piedosos e devoções da vida paroquial; a militância dos leigos católicos romanos em defesa dos valores católicos tradicionais. Todo esse mundo foi aniquilado, por assim dizer, da noite para o dia."
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(*) Há informações divergentes quanto ao verdadeiro grau de sacerdócio do referido Malachi Martin. Embora publicamente fosse considerado apenas como um padre, pessoas próximas do exorcista (é o que dizem Fr. Paul Trinchard e Pe. Rama Coomaraswamy) afirmaram que ele havia sido sagrado epíscopo, isto é, bispo. Restam algumas probabilidades: Teria sido sagrado "in pectore" por Pio XII ou algum outro bispo? Teria sido sagrado por algum bispo da linhagem "Thuc" - haja visto que colaborou ativamente com López-Gastón na sagração de Rama Coomaraswamy, como demonstram as fotos presentes neste link (http://www.the-pope.com/validity.html)? Outro boato seria que Malachi teria sido um cardeal antes da morte, mas não há dados, fotos ou documentos que confirmem essa teoria. Não sabemos perfeitamente, mas há fortes indícios de que pelo menos uma coisa seja procedente: Malachi Martin teria sido bispo no final da vida.